Mostrar mensagens com a etiqueta Fernanda Dias. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Fernanda Dias. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 31 de maio de 2018

"Como uma cidade que não desistisse de mim"

À Fernanda Dias

Vejo-me de mãos nos bolsos. As ruas impressas no
Manhattan Street Walker distinguem-se da calçada
debaixo dos meus pés
porque são coloridas. As pedras, os tijolos das
paredes em Washington Mews, vidro que as
portas refletem, o céu, chão enquanto ando, tudo
neve e fumo, cinza branco. Nevou.

Lembro-me: nunca visitei a estátua da Liberdade, vejo-a
de longe, no jardim de Battery. Os esquilos
são pequenas esculturas em metal. Escrevi o meu nome na
neve, um monte que cobria uma pedra.

Estendo roupa numa varanda larga, um pátio de onde vejo a
ponte de Brooklyn; a única varanda que tem
roupa estendida, em todo o Financial District.
Quando o vento consegue soprar entre os edifícios, é
uma cena campestre. Ordet junto ao Pier 17.

(AIS, Cão Celeste, 12, março de 2018, p. 25)

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Ano do Cão

Una puerta se abre y en una latitud
diferente otra viene a cerrarse.
Porque no hay ordenado universo
en que sea posible negar tal ley
y quede alguna acción desatendida.
Porque no corre ningún hombre
sin que los árboles se curven.
Y lo que perdí vendrá a saludarme.
Es una cuestión de paciencia y matemática.

Esperanza López Parada, Los tres días, Pre-Textos, Valencia, 1994.
(O Reboliço late, grato, à amiga Fernanda Dias.)

terça-feira, 2 de maio de 2017

"casa fechada"

depois, de uma caixa de laca tiraste retratos
amarelecidos, tua mãe, de cabaia, numa festa,
os tios viajados, sorridentes,
num país invernoso, com chapéus.

passeios de domingo, tua avó contigo ao colo,
solenes casamentos, parentes de nomes esquecidos,
com folhos  laços a multidão das primas.

nas paredes da casa tantos anos fechada
fenece o papel ingénuo com grinaldas 
brinquedos, a espada do bisavô, o copo de prata,
o travesseiro de faiança, tudo me mostras.

como num sonho choro com as pontas dos dedos,
inventariando o teu bazar de mágoa.


(Fernanda Dias, Rio de Erhu, Fábrica de Livros, p. 30.)

terça-feira, 16 de junho de 2015

Moinhos na Poesia (69)

C. V.

A madrinha lia em voz alta, aos serões,
A Toutinegra do Moinho. Lágrimas furtivas
deslizavam nas faces das meninas.
No cache-pot pintado com lírios Arte-Nova
murchavam os lilases do quintal.
Quando nos anos sessenta emigrei,
descobri que afinal “La Fauvette du Moulin”,
de Emile Richebourg, cantava noutros prados
longe dos moinhos do Guadiana.

A infância refugiada nos cadernos,
a casa vendida, os lilases-da-Pérsia decepados 
fizeram prédios feiíssimos e caros no quintal
e as meninas da casa que restaram
estão agora nos retratos sempre lindas
e os moinhos para sempre submersos.
(O Reboliço agradece muito à Fernanda Dias, autora destes versos,
que lhos deu como se fossem "uma papoula ou um malmequer".)