Só hoje o Reboliço soube da morte de Fiama Hasse Pais Brandão. Procurou entre os seus poemas, recordava-se vagamente de haver uma referência a algum moinho. É um "moinho de pás", mas um moinho. Num livro muito adequadamente chamado Cenas Vivas (de 2000).
Aquela saia roda como o topo do moinho de pás, o que em mim confirma agora que o vento me reveste. * Quando depois do nascimento me vestiram, a roupa então em mim resplandeceu. Mas estava nua, sem cambraia ou a memória simples dela nos sentidos. Nua e solene, com a roupa alheia em tomo do meu corpo. E ignorava valor, matéria e as pompas que entregam roupas e versos ao comércio. Acreditava só que o gesto amado de me cobrirem de panos ao nascer seria a minha glória * O pequeno velo de roupa é o da imaginação. Vestiram-me para me velar, como janelas afloram nas casas ou como a palha envolve medas. As escassas vestes nas montras eram também sinais da imaginação. E a linha nas mãos da costureira assim imaginada era. * Tão devagar cosia pelo traço do giz a máquina que os pés moveram balançando quanto os meus olhos devagar seguiram o traçado dos pontos e o meu espanto de ver a ordem surgir dos riscos soltos. O rosto atento caía sobre o pano que pouco a pouco me tomava a forma do meu corpo tocado pela luxúria de tão belos cetins, veludos inverosímeis e, como tudo o que a memória gera, fontes de dores. * O tépido calor cobre-me por fora de tules em flor. As folhas do loureiro ridentes assemelham-se ao meu vestido de verde cassa. Agradeço, pois, às bocas de parentes os nomes ditos. * Todas as roupas usadas próprias do Verão são aquele vestido único, porque me haviam dito que ao entrar pelos olhos ele me cobria de fulgor. * Com a saia de tobralco leve passei entre as nossas hortas, águas do poço, coisas da quinta tão diversas todas. E amei cada um dos vários nomes, e também as palavras especiosas que na retrosaria designam o belo fio e aquelas que me mostravam os tecidos em sequências de alucinações novas.