sábado, 31 de maio de 2008

Moinhos na poesia (13)

(É o segundo poema consecutivo nesta série em que os moinhos são da Holanda. O avô mantinha na casa do moinho, e mesmo sobre as paredes do moinho nos tempos em que já deixara de moer, calendários que lhe enviavam turistas holandeses quando regressavam às suas terras. Tinham passado ali, conversado longamente sobre as moendas, diferenças e semelhanças e, chegados a casa, metiam nuns grandes envelopes os tais calendários: doze fotografias muito límpidas das velas de madeira, dos prados cheios de flores ou erva muito verde atrás, dos canais ali à beira. Passava o ano do calendário e ele ficava na parede, até o papel, lustroso e forte, se amarelar e enrolar nas pontas.)

...................."uma paisagem da holanda"

....................Há, em todos os poemas de Pessoa, uma paisagem
....................da Holanda. As vacas pastam nos campos; e os moinhos
....................de Delft rodam sobre elas, como asas, fazendo-as
....................voar ao longo dos diques. Mas não chega meter
....................uma vaca no centro do poema, nem espremê-la para que
....................o seu leite se derrame nos aventais das holandesas
....................de Vermeer, ajoelhadas para escaparem ao refelxo no
....................espelho da janela. É preciso pôr rodas nas vacas,
....................e empurrá-las, como bicicletas, ao longo dos canais
....................de Amsterdão. "Por que não montas na tua vaca?"
....................perguntam os barqueiros. E só para os irritar salto
....................para cima dela, agarro nos chifres, como se
....................fossem um guiador, e viro-a para a direita e para
....................a esquerda, empurrando os vendedores de queijo
....................flamengo para o rio, onde as bolas de queijo se
....................transformam em bóias a que eles se agarram,
....................flutuando durante horas. O problema é quando
....................a fome os obriga a comer o queijo; e quanto menos
....................queijo têm, mais se afundam, até se afogarem,
....................sob o olhar melancólico das vacas do Pessoa.

...........................(Nuno Júdice, revista Egoísta, número especial, Junho 2008, contracapa.)