quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Para a aula de amanhã

"Vejam agora, moços, perante o trecho que acabamos de ler, como é fácil aprender as regras como que instintivas que levaram à sua realização. Perante o que já está, podemos notar, por exemplo, que certas palavras concordam com outras em género e número, que um sujeito (aquilo a que se convencionou chamar 'sujeito') não pode estar no plural se o verbo estiver no singular, etc. etc. Ora o Homem, para falar e depois para escrever, não atendeu a essas regras - foi depois de um longo caminho, na altura em que as coisas do falar já estavam, essencialmente, como estão hoje, que certos sujeitos, chamados os Gramáticos, começaram a tentar descobrir como tais coisas tinham sido conseguidas. A língua não é um relógio: é uma árvore; arranjam-se as peçazinhas diferentes, combinam-se de acordo com o plano geral e pronto - aí está um relógio pronto a roubar-nos tempo; mas com uma árvore - fia de outro modo: ninguém, nenhum senhor botânico se atreveu a dizer: enterre-se uma raiz, pegue-se num tronco, abram-se-lhe ramos, enfeitem-nos de folhas, percorram-na de seiva; não, senhor: nascida a árvore, olhou-se para ela e reparou-se como era composta. O mesmo, insisto, se dá com a língua."

(Sebastião da Gama, Diário, 1958 [3ª edição, 1967], edições Ática, pp. 276-277. Alguém comprou este exemplar dois dias antes do Natal de 67, começou a lê-lo a 1 de Fevereiro de 68 e terminou a leitura quarenta dias depois. Deixou anotações a lápis, discretíssimas.)