domingo, 3 de janeiro de 2010

Música para os ouvidos do Matias (5)

Há lengalengas que o Reboliço sabe de cor. Estes versos de José Fanha, sem música de instrumentos, têm bom ritmo de dizer e de lembrar. O Reboliço recomenda-os ao Matias: "A tua mãe que tos cante, que também os sabe."

"Romance ingénuo de duas linhas paralelas"

Duas linhas paralelas
muito paralelamente
iam passando entre estrelas
fazendo o que estava escrito:
caminhando eternamente
de infinito a infinito.

Seguiam-se passo a passo
exactas e sempre a par
pois só num ponto do espaço
que ninguém sabe onde é
se podiam encontrar,
falar e tomar café.

Mas farta de andar sozinha
uma delas, certo dia,
virou-se para a outra linha
sorriu-lhe e disse-lhe assim:
«Deixa lá a geometria
e anda aqui para o pé de mim...»

Diz a outra: « Nem pensar!
Mas que falta de respeito!
se quisermos lá chegar
temos de ir devagarinho
andando sempre a direito
cada qual no seu caminho!»

Não se dando por achada,
fica na sua a primeira
e sorrindo, amalandrada
pela calada, sem um grito
deita a mãozinha matreira:
puxa para si o infinito.

E com ele ali à frente,
as duas a murmurar,
olharam-se docemente
e sem fazerem perguntas
puseram-se a namorar:
seguiram as duas juntas.

Assim nestas poucas linhas
fica uma estória banal
com linhas e entrelinhas
e uma moral convergente:
o infinito, afinal,
fica aqui ao pé da gente.