O denodado vento, vento
violento, só o sopro, vento
sequente como um rio
lesto, implacável,
fluindo na fissura
do ritmo adequado
ao limbo do vidro-ouvido...
Murmurando pregões, eu digo: vento
soergue-te nas asas;
silva, entanto, vento
no espaço;
destrói arquitecturas fabricadas;
aquieta-te possesso
de ímpeto-rajada.
E vira quando a folha reluzente
aspira ao frio, ao fino
deslize entre faces assustadas,
presentes sempre.
2
Apoio-me no vento e caio tonto
de ser coisa lembrada
na memória onde o vento perpassa
breve sentir lúdico.
Vem, vento, arrasta, lembra, até ao vão
que se entreabre
vento-palavra.
3
Da minha janela sinto o rio
onde colhe o vento
velas içadas.
Rompem fúnebres lamentos
dos afogados;
dos astros duros
perplexos como o olhar
vítreo.
(Ruy Cinatti, o "trota-mundos" - como lhe chamou Joaquim Manuel Magalhães -, escreve sobre Lisboa: Tempo da Cidade, edição de Peter Stilwell, colecção forma, editorial Presença, Lisboa, 1996, pp. 57-58.)