sábado, 29 de maio de 2010

Dia de moer

O Reboliço senta-se à amparada do vento, as orelhas empurradas para trás em abano permanente, focinho franzido e olhos a piscar do incómodo do ar a mexer – mas não os fecha, quer perder nada da música das cantarinhas de barro e das velas a fazerem a roda. O vento hoje está aos embirrões: foge, acelera, desanda, depois começa a travar, a travar, faz as varas ficarem quase quietas, as velas desenfunam e a mó entristece e pára. O Reboliço avança para a porta do moinho e entretém-se a ver as formigas à volta dos grãos de trigo, atarantadas com a riqueza que ali lhes foi parar e em concílio sobre como hão-de carregá-la para o ninho. Antes de subir com mais uma alcofada de grãos, o pai sacode-as e deixa as formigas às aranhas sem perceberem qual foi o passe de mágica que lhes roubou o alimento. O pai sobe as escadas, volta a descer e vem a rir: “Há aqui uma com o que contar à família. Foi pelos grãos, passou a mó e saiu dali viva.”