Denny Crane e Alan Shore não são companheiros de armas, porque são diferentes (quantas vezes opostas, como no episódio 20 da 4ª temporada) as batalhas jurídicas em que lutam; só muito raramente são comuns, e nessas poucas vezes um bate-se só em favor do outro e não necessariamente por uma causa comum aos dois. (Talvez o único “caso”, não jurídico, em que ambos estavam do mesmo lado da barricada fosse a defesa do duelo que pretenderam travar pela igualdade no direito a dormir com Shirley Schmidt. E, mesmo aí, lutaram juntos para poderem combater um contra o outro. Noutros casos, em que Shore defende o amigo, por exemplo, perante o Supremo Tribunal, o combate é quase sempre pela amizade que os une; e é sempre Shore que abdica das suas convicções para defender Crane.) Une-os aos dois admiração profissional comum, sim; dormiram juntos também – mas cada um é o favorito do outro, mais do que o seu companheiro de armas. Denny é um republicano convicto e Shore um tolerante liberal a quem geralmente guia a racionalidade dos argumentos; o leme de Crane é o seu imenso fascínio egocêntrico e a preservação da sua imagem de guerreiro invencível (que a série apresenta em fase de declínio pontuado por momentâneos e fulgorosos ressurgimentos). A amizade dos dois, o seu grande e belo feito, é apesar dos feitios de cada um, e não por causa deles. É essa a razão por que ultrapassa tudo, mesmo as mais profundas divergências de fé política (e mesmo religiosa), os gostos mais elementares e as conquistas amorosas. Só poderia culminar em casamento.