domingo, 13 de março de 2011

Filme do Desassossego

Uma das coisas de que mais gosto em Filme do Desassossego é o modo como me faz pensar sobre a diferença entre ver um filme e ler um livro. O livro, mais ainda o do Desassossego, tem um tempo de leitura como que infinito e sem direcção: tenho-o na mão, leio um fragmento, outro mais à frente, outro anterior, uma parte apenas de um outro; releio quase no mesmo momento, volto ao começo da frase, gozo o ritmo dos sons que não se quiseram versos. Na sala de cinema, a direcção da fruição é uma: para diante no tempo. Por mais que a música sugira rondas, voltas ao início; por mais que o final na mesma taberna onde tudo começa permita que se feche o círculo do que não tem fim, não posso reler, voltar atrás, virar a página num segundo para confirmar uma palavra ou um eco.
Outra coisa de que gosto nele é a luz e as sombras trabalharem as cores da Lisboa em desassossego de maneira a dar bem a sentir o gesto que as palavras de Bernardo Soares tiveram em direcção às ruas, ao rio, à rotina da cidade. Ah, e a dicção perfeita da "Educação Sentimental" por Catarina Wallenstein. E a floresta musical, que repete as imagens de Constança Capdeville na clareira entre árvores, em Rosa de Areia.