domingo, 17 de julho de 2011

"Do uso não histórico da palavra"*

"Levem-me"

Levem-me numa caravela,
Numa velha e doce caravela,
À proa ou, se quiserem, na espuma,
E percam-me, ao longe, ao longe.

No atrelado de uma outra era.
No veludo enganador da neve.
No fôlego de alguns cães reunidos.
Na trupe extenuada das folhas mortas.

Levem-me sem me ferir, nos que se beijam,
Nos seios que se erguem e que respiram,
Sobre os tapetes das palmas e o seu sorriso,
Nos corredores dos ossos largos e das articulações.

Levem-me ou então enterrem-me.
(Henri Michaux, Mes Propriétés, 1929.
Achado aqui e traduzido - malamente, Michaux, malamente - por mim.
O título do post é, truncado, o que a C. primeiro deu ao post do Dias Felizes. O blogger cortou o final ao que seria "Do uso não histórico da palavra caravela". Da maneira como o acaso e as métricas htm-élicas ditaram tem um ar filosófico que assenta bem sobre um poema em que os sentidos das palavras não se cingem às roupagens do uso. Ou seja, fica ali que nem ginjas. Ginginha. Obrigada, C.)