sábado, 9 de julho de 2011

"Primeira Imperial"

Na Cervejaria
um senhor de óculos sem culpa
cabeleira densa e culpada de ir
até à sobrancelhas ligadas
e principais culpadas
da sua estúpida presença

Cara de carnes caídas
a fazerem-no menos novo
do que um queixo entre enérgico e ovo


denuncia

Na Cervejaria
dizia
um senhor e sua mulher de azul e mise exactamente
no momento em que leve
ágil
animal
pisa o chão duro e frio do salão
um valente Rodolfo Valentino conhecido
do casal

Alarga-se o sorriso de gambas róseas
na boca do senhor
um adeusar de sua mão papuda
em louvor
do amigo Rodolfo

Ela de faces em rosácea e alva dentadura
logo revelada
fica enlevada
mas honesta na Cervejaria pensa:
- Meu marido dá-me todo o conforto do lar
dá-me gambas ao jantar
e mais logo dá-me quatro horas de Ben-Hur na plateia
onde a moda nova oferece as minhas pernas
às vistas desarmadas
dá-me futuro
recheio no seguro e o Rodolfo
só me daria aquilo com que sonhei durante
tanto tempo

amor, amor, amor apenas

(António Domingues, Poesia Portuguesa do Pós-Guerra 1945-1965
antologia organizada por Afonso Cautela e Serafim Ferreira,
Lisboa, Editora Ulisseia, 1965, pp. 45-46.)