um senhor de óculos sem culpa
cabeleira densa e culpada de ir
até à sobrancelhas ligadas
e principais culpadas
da sua estúpida presença
Cara de carnes caídas
a fazerem-no menos novo
do que um queixo entre enérgico e ovo
denuncia
Na Cervejaria
dizia
um senhor e sua mulher de azul e mise exactamente
no momento em que leve
ágil
animal
pisa o chão duro e frio do salão
um valente Rodolfo Valentino conhecido
do casal
Alarga-se o sorriso de gambas róseas
na boca do senhor
um adeusar de sua mão papuda
em louvor
do amigo Rodolfo
Ela de faces em rosácea e alva dentadura
logo revelada
fica enlevada
mas honesta na Cervejaria pensa:
- Meu marido dá-me todo o conforto do lar
dá-me gambas ao jantar
e mais logo dá-me quatro horas de Ben-Hur na plateia
onde a moda nova oferece as minhas pernas
às vistas desarmadas
dá-me futuro
recheio no seguro e o Rodolfo
só me daria aquilo com que sonhei durante
tanto tempo
amor, amor, amor apenas
(António Domingues, Poesia Portuguesa do Pós-Guerra 1945-1965,
antologia organizada por Afonso Cautela e Serafim Ferreira,
Lisboa, Editora Ulisseia, 1965, pp. 45-46.)