sábado, 4 de fevereiro de 2012

A sopa do Reboliço

O Reboliço deita-se ao sol, ao comprido sobre a tijoleira - que está frio? Não, a tijoleira ensolarada, deste sol sem nuvens que a janela atira, é como se fosse chão estival. Pisca muito os olhinhos, que quase lacrimejam da luz que quer sugar toda. O lombo quase quase lhe arde do calor, mas não se mexe. Que o sol de Inverno é traiçoeiro? Venha-lhe essa traição, que aceitará com amor. Atrás de si, num rebuliço imparável, a tia sai de casa, entra em casa, vai à varanda, volta da varanda, destorce os lençóis ainda húmidos, apanha os lençóis já secos, vai falando - "A tia Lurdes faz hoje 83 anos." -, comentando as compras, a retrosaria que há na rua e por que nunca tinha dado, vai e torna, e de repente a cozinha enche-se do cheiro de sopa a fazer-se. As cenouras, frescas, cheiram assim que a faca lhes corta fininha a pele; as verduras que trouxe da aldeia - "a ver o que se pode apurar ainda" - perfumam a casa toda; a panela, já ao lume, faz exalar vapores a misturar o alho, o xuxu, o nabo, a batata. Ah, Reboliço!, o gozo destas coisas que te levam para todas as sopas que viste fazer, para todas as que já fizeste, as que deste a provar e comeste, para todas as belas sopas do mundo.