terça-feira, 17 de setembro de 2013

O Senhor Scales Passeia o Cão


O cão é tão velho que sai pó da cauda dele, quando corre;
o cão é tão velho que a língua lhe chocalha na boca, os olhos foram mudados
no século XVII, as pernas são emprestadas de uma mesinha de cabeceira

Luís XIV.
O cão ladra com agitação antiga.
O cão do Scales é tão velho que os seus latidos pairam no ar como peúgas velhas,
ou como apagadas flores de papel.
É tão velho que fez de porteiro do Hotel Atlantic n'O Último dos Homens[*],

tão velho que também fez de contínuo de casa de banho.
O cão do Scales é tão velho que aprendeu a envelhecer com graça.
O cão do Scales morde por fases.
O cão do Scales cheira a naftalina.
O cão do Scales calcula mal os passos e tropeça.
O cão do Scales pedincha restos, lambe os pratos.
O cão do Scales é sete vezes mais velho do que se pensa:
por isso corre em elipses; por isso não vê as aranhas; por isso se distrai tantas vezes;

por isso perde os amendoins que lhe lançam; por isso se tornou, de repente,
diabético e bebe dos charcos de água; por isso tem maus gases
no sistema, que vieram com o Mayflower; por isso rebola, de costas,

só uma vez por semana.
O cão do Scales é Gormenghast, é a ama Slagg. 
O cão do Scales é Horus, é Solomon Grundy.
O corpo dele faz música desconexa.
É tão velho que tem os olhos raiados de sangue;
tão velho que já não tem surpresas; tão velho que todas as doenças lhe são benignas; tão velho
que se desilude no momento; tão velho que tem má pontaria.
O cão do Scales é tão velho que todos os dias o Scales o incita a morrer.
O cão do Scales faz um espectáculo de ruim mágico.
O cão do Scales senta-se como se assinasse a Declaração de Independência.

O cão do Scales é tão velho que os vermes já se cansaram dele.
Tão velho que as pulgas vencem prémios de longevidade.
Tão velho que os sonhos dele estão depositados em microfilme, no MoMA.
Tão velho que tem um olhar acusador.
Tão velho que se coça só porque sim.
O cão do Scales foi enterrado com os faraós, com os aztecas; recebe da Segurança
Social de catorze países; viaja com o seu cobertor; vomita sobre
o tapete; tem uma galáxia com o seu nome; o cão do Scales corre de medo;
gostaria de comer o mesmo todos os dias, o mesmo;
tem espasmos, durante o sono; chia.


(Alexander Hutchison, Scales Dog. Tradução: AIS.)
[*Der Letzte Mann, 1924, Friedrich Murnau]