sexta-feira, 11 de julho de 2014

"Meditação em Lagunitas"

Todo o pensamento novo é sobre perda.
Nisto se parece com todo o pensamento antigo.
A ideia, por exemplo, de que cada particular apaga
a luminosa claridade de uma ideia geral. De que o pica-
pau boloteiro sondando o esculpido tronco podre
daquela bétula negra é, pela sua presença,
algum trágico detrito caído de um primeiro mundo
de indivisa luz. Ou a outra noção de que,
porque neste mundo não há coisa nenhuma
a que o silvado da amora corresponda,
uma palavra é elegia daquilo que significa.
Falámos sobre isto ontem noite dentro e na voz
do meu amigo havia um fino fio de dor, um tom
quase lamuriento. Um pouco depois percebi que,
falando assim, tudo se dissolve: justiça,
pinheiro, cabelo, mulher, tu e eu. Houve uma mulher
com quem fazia amor e eu recordava como, segurando
por vezes os seus ombros pequenos nas minhas mãos,
sentia um violento fascínio na sua presença
como uma sede de sal, do meu rio de infância
com os seus salgueiros ilhéus, música parva do barco de recreio,
lugares lamacentos onde apanhávamos o pequeno peixe laranja-prata
chamado pumpkinseed. Pouco tinha que ver com ela.
Saudade, dizemos, porque o desejo está cheio
de infindas distâncias. Devo ter sido o mesmo para ela.
Mas lembro-me de tanto, da forma como as mãos dela desmantelavam pão,
da coisa que o pai dela dizia que a magoava, com o que
ela sonhava. Há momentos em que o corpo é tão numinoso
como [as] palavras, dias que são a continuação do corpo justo.
Tanta ternura, aquelas tardes e noites,
dizendo amora, amora, amora.

Traduzido por Belmiro Oliveira. Descoberto aqui
através da pista do @pmramires.
Muito agradecida a ambos dois,
que, além do mais, aceitaram os [ ].