(Está a ventar nas frestas das janelas de alumínio.)
Entre as velas do moinho, atadas às cordas que se esticavam de uma vara a outra, havia umas cabacinhas de barro. Quando fazia vento, mesmo com o moinho parado, ouvia-se a zunir dentro daquelas paredes finas de barro escuro. Às vezes, com uma pedra que saltasse ou a pressão mais forte do ar a passar nelas, as cabacinhas estalavam - partiam-se e eram logo substituídas por pequenas garrafas de Sagres, com a mesma abertura estreita e corpo bojudo. Não sei se conseguia distinguir o zunido, entre o vento no vidro e o vento no barro. Do que me lembro era disto: as luzes dos faróis reflectidas na parede do moinho, quando chegávamos à noite, o barulho só do vento, que amplificava aquele silêncio todo, a mãe e o pai a levarem-nos para dentro da casa, ao colo, embrulhados, de orelhas bem cobertas, nas mantas de lã colorida que a avó Mariana tricotara. Isso e abrir a porta, ver a lareira acesa e os velhotes quase adormecidos, de braços e cabeça sobre a mesa. Ali, o silêncio era um ruído semelhante ao das garrafinhas com vento, a vir do candeeiro a gás que dava à cozinha uma luz tão própria.
O avô levantava a cabeça devagar, virava-se para nós e dizia "Olh'ólhólha...", muito devagar, como se a surpresa de estarmos ali fosse aquilo por que esperava, entre o zunido e o silêncio.