segunda-feira, 24 de outubro de 2005

Requiem pelo Caiado

O Caiado foi um dos grandes taberneiros da aldeia da mãe do Reboliço. A adega tinha um portão grande - no passeio à entrada, desenhado em pedras de calçada mais escuras, havia um garrafão. Por detrás do balcão, entre as prateleiras dos copos de cinco, pregadas a eito, páginas da Gaiola Aberta cujo assunto era quase exclusivamente Mário Soares. Entrávamos na taberna e, de repente, mesmo às horas de dia claro, éramos engolidos pela luminosidade sombria das paredes altas, dos tampos das mesas com homens sentados e do grande balcão a que se encostavam outros. Quase todos eram compadres. O ruído das vozes, lá dentro, também era diferente do que se ouvia na rua.

Quando a taberna fechou, o Caiado foi para casa. A sua casa é pequenina, de portas baixas e corredor estreito. Lá dentro, via-o quase sempre sentado à mesa. Em pé, era na taberna.

Há anos, quando o mano do Reboliço caiu na asneira de uma embriaguez com Moscatel (ai, os vinhos doces...), o Caiado foi peremptório: "Se tivesses mais prática, não teria acontecido." Doutra vez, com a mesma sabedoria e o mesmo à-vontade, mirou o rapaz de alto a baixo, fixou os olhos nos sapatos, acabadinhos de estrear para o casamento do primo, e não se conteve: "Que fiúuuuuuura!..." Agora são os sapatinhos-fiúra.