(Na aldeia, em pequeno o Reboliço dormia no quarto maior, interior, com o mano e a mana. Uma cama grande para elas, uma mais pequenina para ele. A porta de duas lâminas dava para o corredor que vinha da mercearia e ia para o quintal. Quando se arranjou a casa, disse a mãe aos pedreiros: "Descubram-me aí os nichos que o quarto tinha, de quando eu era moça." A mãe, antes, então, ali dormira com a mana dela: um dos nichos, pequeno, de frente para a porta, começava ao metro e meio de altura e tinha menos disso até terminar, um pouco mais de largura e de profundidade igual. Servia como se fosse mesa de cabeceira. O outro, mais alto, começava mais em baixo na parede e era como que fechado por um pano ao alto. Ali se guardava a roupa das meninas da casa. Os nichos haviam sido cobertos e durante anos ninguém se lembrou deles. Até que a mãe pediu aos pedreiros que os devolvessem à casa. No Verão, a telha de vidro deste quarto tem de ser tapada de papéis [quando havia a mercearia, era papel manteiga, o mesmo onde se faziam as contas ou embrulhava o pão, com o que se fazia os cartuchos para o feijão e o grão], ou o calor mata a gente. Quando bate ali de manhã, alguma fresta entre o papel, o vidro e a alvenaria do telhado deixa passar o sol que não se quer dentro de casa e projecta, no nicho grande, a labareda.)
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domingo, 14 de agosto de 2016
segunda-feira, 25 de abril de 2016
Liberdade
(Foto da pintura do pequeno Matias no chão da terra: Mana Gabriela. O sobrinho primeiro do Reboliço nasceu da Mana Gabriela e do Vasco - nem um nem outro eram nascidos quando foi do 25 de Abril, nem, por necessidade, os filhos deles. O Mano João, que é gémeo da Gabriela, igual - e os filhos dele e da Angela nascem também em liberdade. O Reboliço, apesar de já nascido havia naquela data três anos e meio, não guarda memória do dia. Mas dos que vieram depois, da alegria de celebrar aquilo que começou por ser só uma palavra, depois foi conceito e agora é o mote de uma vida, o que mais o alegra é isto de ter dedos cheios de tinta e perceber que do corpo de um canito a uma expressão dele se pode fazer o caminho sem constrangimentos, sem peias, com sorrisos e risos de ir às lágrimas. Por coincidência igual de feliz, repara ainda, o Dia da Liberdade é também o Dia Mundial dos Penguins.)
quarta-feira, 13 de abril de 2016
quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014
quarta-feira, 9 de outubro de 2013
Um amor de cabana
O mais recente número do Jornal dos Arquitectos traz, entre outras belas letras, um artigo muito lindo e lindo, com bonecos lindos e lindos (há um cão, e na edição impressa diz que são ainda mais as imagens), escrito pelo Mano e fotografado pelo Cunhadão. Ide ler, que bem as poucas penas de o ler vale.
quinta-feira, 6 de dezembro de 2012
O Reboliço colecciona calendários (26)
Colecciona, também, uma colecção de exemplar único que é o mano. O mano ofereceu-lhe este. Este mesmo que aparece fotografado, não um igual a ele. Um mimo. O mano. E diz que é para mostrar também à mana, que colecciona, além do mano único, as coisas de desenho. Design, em inglês.
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Calendários,
Mano
sexta-feira, 18 de maio de 2012
"Nova Assembleia e algumas próteses"
(Insta-fotos da instalação de Xana no Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado e do seu retrato feito, on-site, pelo Mano: Reboliço, atento.)
quarta-feira, 30 de novembro de 2011
Meus manos
- Eu cá, Reboliço, gosto de andar de um lado para o outro.
- Pois é, Luca - haja quem. Já eu, quieto aqui no canto quente da casa, prefiro imaginar como seria o mundo sem distâncias: sem quilómetros, sem oceanos, sem estradas entre aqueles a quem quero ter à frente todos os dias. Para poder abraçá-los num mesmo gesto, como fiz aos meus irmãos no dia em que nasceram, há mais de sete lustros. Agora, estão eles como tu: cada um na sua esquina do mundo, saltitões, imparáveis.
- Ah, mas podias fazer de outra maneira para abraçares os teus manos, Reboliço. Arranjavas umas patas elásticas, estendias, estendias, estendias cada uma delas, e caçavas os bichinhos no abraço!
- Pois é, Luca - haja quem. Já eu, quieto aqui no canto quente da casa, prefiro imaginar como seria o mundo sem distâncias: sem quilómetros, sem oceanos, sem estradas entre aqueles a quem quero ter à frente todos os dias. Para poder abraçá-los num mesmo gesto, como fiz aos meus irmãos no dia em que nasceram, há mais de sete lustros. Agora, estão eles como tu: cada um na sua esquina do mundo, saltitões, imparáveis.
- Ah, mas podias fazer de outra maneira para abraçares os teus manos, Reboliço. Arranjavas umas patas elásticas, estendias, estendias, estendias cada uma delas, e caçavas os bichinhos no abraço!
domingo, 31 de julho de 2011
Arte da Mana, arte do Mano
(Hip-fotos da pintura de armário de cozinha, arte da Mana, mais ensaio para banda desenhada, arte do Mano, duas artes dos finais da década de 1980: Reboliço, orgulhoso.)
quinta-feira, 7 de abril de 2011
Contra a arquitectura
Foto: Reboliço. Franco La Cecla escreveu, o Mano traduziu e prefaciou, a Caleidoscópio editou, na colecção "Pensar Arquitectura". "Pensar Arquitectura" faz lembrar talk Aristotle.)
terça-feira, 29 de março de 2011
(Post de aniversário: as Cartas começaram faz hoje seis anos.)
O parapeito da janela da cozinha fica a menos de um metro do chão. (Um dos ladrilhos esteve muito tempo solto, fazia um clique reconfortante debaixo dos pés, como se dissesse "estás bem, é por aqui".) O parapeito é de madeira, de uma madeira que o vidro magnetizou e me puxava até si de cada vez que entrava na cozinha. Quando comecei a assomar, sem esforço nem banco, os olhos para lá do vidro, conseguia ver desde o mar, uma linha direita e iluminada mesmo nos dias de nuvens baixas. Durante alguns anos era só cortada por três ou quatro torres em Quarteira, outras duas ou três de Vilamoura, que se foram unindo umas às outras com mais torrezinhas pelo meio, até não se distinguir onde começavam e acabavam as duas vilas e ser completa a separação entre mar e terra. Daí para cá, também durante muito tempo, foi a massa suave de verde - que em Janeiro as amendoeiras branqueavam - e o maciço também doce do Cabeço de Câmara (lembro a voz da Sra Virgília a apontar e a ensinar-me o nome do cerro), que veio a ser traçado pela Via do Infante depois de meses de dinamite para deixar passar as luzes que nunca mais pararam de passar, para Barlavento e para Sotavento. De dia é ainda essa massa suave: hortas de árvores baixas, valadinhos de pedra; mas de noite há um pontilhado de luzes a denunciar as casas que foram cogumelando por ali. Daí para cá, o limite da cidade, que era vila, ficava no palácio da Fonte da Pipa, que hoje quase não se distingue das construções novas que alargaram Loulé. Daí para cá, já próximo, via-se a clarabóia de uma casa onde o pai ficara uns dias, ou uns meses, antes de nos mudarmos para este 6º andar. E, a dar sentido a tudo, como uma rosa dos ventos, estava a rotunda. Não era ainda esta fonte com figuras de ferro sobre uns arcos e a água - era uma larga moeda verde só com um poste de luz a sair-lhe do meio, onde os cães se passeavam sem donos nem dó da relva.
Para a esquerda da rotunda, para Sudeste, ficava uma loja de ferragens, escadotes, baldes e outras drogas, onde, no tempo deles, ainda aparece à porta uma caixa de dióspiros (fica o cenário da janela todo concentrado naquele laranja forte e maduríssimo), e por cima da loja a varanda do Ateneu; para cá, do lado Nordeste, ficam ocultas as portas e as lojas. A Noroeste é a esquina da Caixa Geral, mesmo antes do café e da esplanada da Havaneza Louletana; do lado oposto, o mercado, a praça. Entre a praça e a loja de ferragens está a frente de lojas mais visível da janela da cozinha: o estaminé do totobola (se a falhada memória não me falha, houve ali uma barbearia), a pastelaria Amendoal (das últimas a usar a rareante amêndoa algarvia) e a drogaria Liz, da Dona Liberdade e do Sr. Rodrigues, esses de memória boa, que desde há uns meses é uma sapataria deslavada, tem as portas mudadas em montras e a montra única mudada em sacrílega porta de entrada - pisa-se precisamente onde se levantava a pedra com o signo e o nome de Liz, que sustentava o vidro alto da montra.
(Aguarela de Loulé desde o parapeito da cozinha: João Soares, 1991. Da fase, como ele diz, aguarelal.)
As avenidas que confluem nesta rotunda têm os dois lados ligados, ao seu início, por passadeiras. Como são avenidas largas, as quatro passadeiras são duplas: a meio, têm todas uma pequena pausa de cimento entre canteiros de relva e flores. (Aos Sábados de manhã, quando a gente era muita a ir à praça, um polícia sinalizava as vezes de passarem carros e pessoas e inventava com o apito engarrafamentos de gente.) Eram esses intermédios passadeirais o palco preferido da Maria das Bananas, quantas vezes teimosa em cima da relva. Era cantora de muitas vozes, vozes de homem e vozes de mulher, que soava horas a fio conversas entre Deus e Álvaro Cunhal, entre Ramalho Eanes e Jesus Cristo, entre a fé e a euforia nacional.
Quando me assomava, às primeiras horas da manhã, agarrada ao pão com doce ou à caneca de leite, já ela cantava. Cantava ou dizia, dialogava, trialogava, fazia dramas completos e para cada personagem havia uma voz diferente: todas potentes, lançadas desde seis andares abaixo, meio quarteirão de prédios, toda uma rua até à rotunda, donde subiam. Vinha de roupa garrida - nunca se viu com nada que não fosse vermelho rubro, verde forte, amarelo. Eram as cores da bandeira do país, quando não a própria bandeira a fazer-lhe de xaile. (Em panos dignos, que ainda não houvera o Euro nem havia a essa altura em Loulé lojas dos chineses.) Vinha de vermelho e verde e punha-se a cantar o dia inteiro. O meu jogo era, quando não a via do parapeito da janela, tentar adivinhar de onde cantava, por algum eco das casas que circundavam a rotunda. Ouvia-lhe a voz muito clara, possante, muito distintas as palavras trocadas entre os seus cantores de dentro, e ela muito distinta a dar-lhes voz. De perto, se passava por ela na ida ao pão, via brilharem-lhe os olhos pretos, que quase nunca fechava a cantar, via-lhe o buço forte a sombrear o sorriso que só sabia passar a risada, jamais à curva descendente do choro.
Nunca a vi como matéria fotografável. É certo que não andava - não se andava como hoje - de máquina fotográfica em riste. A turistama sim: vinha preparada, achava graça à figura, e snap-snap-snap. Mostraram-me há dias duas dessas fotografias. Aparece de bermudas, de turbante, cores garridas. Não a via talvez desde 1986, a data dessas imagens. Mas não se lhe vê nelas o que tenho aqui dentro, na memória: o crucifixo de madeira, a moldura ao peito, com o retrato que uns dias era Cunhal e outros Cristo.
(Adenda, em 2020, a partir de grata informação de João Romero Chagas Aleixo: a drogaria do Sr. José Rodrigues e da D. Liberdade abriu em janeiro de 1938 e foi a primeira casa comercial, na então vila de Loulé, a ter telefone - foi 7 o seu primeiro número.)
(Adenda, em 2020, a partir de grata informação de João Romero Chagas Aleixo: a drogaria do Sr. José Rodrigues e da D. Liberdade abriu em janeiro de 1938 e foi a primeira casa comercial, na então vila de Loulé, a ter telefone - foi 7 o seu primeiro número.)
segunda-feira, 17 de janeiro de 2011
Para quem anda saturado de nevoeiro
(Foto da amendoeira - remendada, nem é das mais opulentas - no jardim do Liceu de Faro: Reboliço, esta manhã. Vês como o céu tem estado? Azulzinho, um farrapo de nuvem quando muito, sol a fazer rebentar as flores.)
sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
"os seus... segundos"
"anteontem dormimos (uma só noite) em casa dos __. ao acordar não sabia onde estava. foi um belo risveglio. e então pus-me a pensar que é mesmo bom quando acontece não se saber onde se está, no espaço, nem no tempo... não saber se se está em L. ou no moinho, se os pés estão para a cabeceira..., ainda nada está formatado na cabeça... aliás, nem se percebe muito bem em que corpo se está, é mesmo uma surpresa descobrir que há um corpo onde estar-se.
é só a presença.
isto é coisa para durar os seus nove, dez segundos... aquele tempo do prazer de sentir que as esferas dos olhos se transformam e passam de pensamento a coisa física. estão mergulhados dentro na cabeça, e depois saem para a cara, ao mesmo tempo que se abrem, como se nada tivesse acontecido. mesmo a tempo.
havia este arquitecto russo - melnikov - que tinha imaginado um dormitório para operários pensando o dormir como um morrer todos os dias, para se ressuscitar todas as manhãs. todos os dias nasço. é a passagem que é magnífica."
é só a presença.
isto é coisa para durar os seus nove, dez segundos... aquele tempo do prazer de sentir que as esferas dos olhos se transformam e passam de pensamento a coisa física. estão mergulhados dentro na cabeça, e depois saem para a cara, ao mesmo tempo que se abrem, como se nada tivesse acontecido. mesmo a tempo.
havia este arquitecto russo - melnikov - que tinha imaginado um dormitório para operários pensando o dormir como um morrer todos os dias, para se ressuscitar todas as manhãs. todos os dias nasço. é a passagem que é magnífica."
domingo, 17 de outubro de 2010
Verão tardio (ou: Cão vadio)
(Foto do canídeo amigo com o Mano ao longe, na praia livre de tubarões, de água morna e de água de côco: Reboliço. Ancão.)
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
Óculos de sol
O Reboliço já não se lembrava, mas o Mano lembrou-se: o avô tinha uns óculos de sol extraordinários. Diz o Mano que o faziam parecer o James Dean. Com certeza, o James Dean. Com 90 anos e tudo. Calças de cotão rijo, chapelinho branco de moleiro, suspensórios e uma barriga de meter respeito. E o bigodinho pequeno e grisalho. Tal e qual o James Dean, não haja dúvida.
(O Mano lembrou-se disto a propósito de se andar a caiar o monte e o moinho, e do medo que tem de aquilo ficar tão branco que precise de andar de Ray-Bans dentro de casa.)
sexta-feira, 3 de setembro de 2010
Do Mano
sabes que mais, até é uma boa coisa que não tenhas internet como estás habituada... o Corbusier fez os mais magníficos desenhos de viagens porque a sua máquina fotográfica se avariou! (o que deve ser, muito provavelmente, boga - se calhar até mesmo lançada por ele - ou então o gajo era simplesmente fonica e nem queria gastar cobres em rolos nem em revelação - nem no arranjo da máquina, se se tinha mesmo avariado...)
portanto, assim podes fazer desenhos e escrever textos em papiros ou folhas de tabaco (é o que eles usam aí para escrever, não é?)
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Mano
quinta-feira, 12 de agosto de 2010
A vida é uma aposta
(Foto de livro de BD e caneta sobre tampo de estirador marcado por cigarros: Mano. O Reboliço tem lido, pelas mãos do Mano, uma série jeitosa de fumetti com aventuras da Julia Kendall, obra com argumento e escrita de Giancarlo Berardi e desenhos de Luca Vannini, que se inspirou na figurinha elegante de Audrey Hepburn para criar a sua criminóloga. Leu-os sempre em italiano: não fazia ideia [nem se deu ao trabalho de fazer] se existiriam em português. Mas pensou sempre que é uma obra fantástica; enquanto lia e via os quadradinhos, ia-se convencendo de que mais gente deveria gostar de entrar naquele mundo, de sentir os perigos em que Julia se acha, de quase lhe gritar por cima do ombro a avisá-la de que alguém está prestes a atacar, de festejar com ela a derrota dos maus. Descobre recentemente - pelos Queridos Gatos - que estão, sim, vertidos para português, editados no Brasil pela Mythos, e que essas edições correm agora risco de parar no nº 68 porque vendem mal. O Reboliço não é bicho de grandes causas, mas não hesita em embarcar nesta: quer dar a conhecer Julia Kendall.)
quarta-feira, 21 de julho de 2010
Grão
(Fotos dos grãos acabados de apanhar, ainda antes do nascer do sol para estarem brandos e não se descoserem; dos grãos escondidos e escapados das bainhas; dos grãos na alcofa de empreita, prontos a serem medidos: Reboliço, com a fatiga do labor. A do pai a debulhar os grãos ao vento rijo do alto do moinho foi feita pelo Mano.)
sexta-feira, 9 de julho de 2010
O Mano é pela Holanda.
- Mas a que vem isso? Então e a união Ibérica? E o jogo lindo dos espanhóis?
- Foi por causa dos espanhóis que saímos.
- Bem, ganhar-ganhar, Portugal só ganhou aos coreanos... E foi porque os tipos estavam peados.
- ...
- Sabes o que é estar peado?
- Sei, claro.
- Ora diz lá.
- É que eles diziam muitas piadas e depois distraíram-se.
- Mas a que vem isso? Então e a união Ibérica? E o jogo lindo dos espanhóis?
- Foi por causa dos espanhóis que saímos.
- Bem, ganhar-ganhar, Portugal só ganhou aos coreanos... E foi porque os tipos estavam peados.
- ...
- Sabes o que é estar peado?
- Sei, claro.
- Ora diz lá.
- É que eles diziam muitas piadas e depois distraíram-se.
quinta-feira, 20 de maio de 2010
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