Puxou a porta para si e fechou-a à chave. Respirou fundo, como costumava fazer quando saía de casa, e desceu as escadas. Descia devagar. Era dos poucos luxos a que se dava, sair de casa com tempo para não ter se apressar. Podia, assim, observar todos os cantos das ruas que atravessava todos os dias, desde que viera trabalhar para aquela cidade.
Costumava chegar a horas. Entrava no vestiário, despia a blusa e enfiava por cima da saia a bata verde clara. Desde que arranjara o emprego, deixara de usar roupa verde fora das horas de serviço. Abominava aquele tom, que não escolhera, de dias gastos nos corredores e quartos que não conhecia. Via entrarem e saírem as pessoas - em dias de maior tédio, imaginava o que faziam, de onde teriam vindo e para que lado da rua seguiriam quando saíssem. Alguns tipos já lhe eram como que familiares - dessa familiaridade da repetição quotidiana, do hábito estéril. Havia o homem gordo com pavor dos espaços fechados, que subia as escadas a arfar, mais suado e lento a cada um dos cinco andares - e a sua mulher, que insistia para usarem o elevador enquanto resmungava atrás dele; as mulheres turistas, que chegavam por dez dias e raramente ficavam mais de dois ou três e saíam quase sempre com cara de caso; as famílias com os filhos adolescentes, engordados a batatas fritas e maionese. Via-os entrarem e saírem, limpava-lhes os sacos de lixo, recolhia-lhes as toalhas emporcalhadas no chão manchado das casas de banho, fazia-lhes as camas que já não eram deles, desmanchava-lhes os lugares das almofadas. Naqueles quartos, quando podia lá entrar, via-lhes o rasto: o fim das presenças, o começo das ausências. Via as ausências dobrarem a esquina dos dois corredores a seguir ao átrio do elevador e entrarem, quase à socapa, mesmo antes de os quartos estarem vazios. Via-as como se lhes conseguisse tocar.
Houve um dia em que chegou a casa mais fatigada do que era habitual. Adormeceu sobre o cansaço, sem o esfregar para fora da pele, e atrasou-se a acordar, na manhã seguinte, com o peso do dia anterior ainda a carregar as mantas sobre o seu corpo. Nessa manhã, fez o caminho para o trabalho sem olhar para os pormenores da rua. Não viu o cão, hesitante entre dois carros, nem os rostos irritados dos condutores que evitaram o acidente. Quando deu por isso, já o pano verde lhe enganava a roupa.
Foi percorrendo corredores sem pensar, só com o eco distante da rispidez do patrão - e a sua própria voz, quase um riso, a querer afogar esse eco. Andou todo o dia na luta entre riso e eco, um eco abafado e um riso que se tornava mais audível e claro. Não regressaria àquele sítio, decidiu. Preferia abandonar-se à vida nas ruas, cujos pormenores já conhecia bem. Deixou a casa e passou a habitar os passeios, os seus domínios. Às vezes, algum homem que a abordava trazia no olhar a recordação de flores - de malmequeres deixados sobre camas mal refeitas, em quartos incógnitos de hotéis.