sexta-feira, 26 de maio de 2006

No dia da Hora

Até dormiu melhor, o Reboliço. O ramo da Hora está pendurado atrás da porta de entrada. Tem três papoilas, três malmequeres de pétalas brancas, três de pétalas amarelas, três raminhos de romãzeira, três de oliveira com muito candeio (enfim, tanto não, para não dar cabo das azeitonitas que hão-de vir), três espigas de trigo e uma fatia de pão. Ontem, ao cair da tarde, saiu à espiga – não é a hora certa, que deveria ter sido antes das 11 da manhã, mas um animal assalariado é o que pode. Ia sem grande fé de encontrar trigo, que já quase não há por esses campos. Foi para os lados da casa da mana e, depois de percorrer alguns caminhos sem ver nem espigas nem hastes nem ares de trigais, encontrou sentadas nas pedras de um valado três velhinhas. Perguntou-lhes se sabiam onde encontraria as espigas. Olharam as três de debaixo dos chapéus e disse uma delas, com os olhos azuis atrás de um par de óculos: “Aí diante, nesse nateiro, há um carreirinho de trigo. Semeou-o o homem que tem essas terras. ‘mecêias são donde? Da cidade? Ah, pois o homem também é de lá – devem de o conhecer, é o Faísquinha.” “E acha que podemos ir lá roubar-lhe umas espigas?” “Pois então, não há aí em mais lado nenhum... Eu cá vou com vocês, senão não dão com aquilo.” Deixou as outras sentadas e seguiu, à frente, para mostrar onde estava o trigo. Calçava uns chinelos abertos nos dedos e via-se-lhe a pele seca, muito dura, à volta dos tornozelos. Não havia espinho nem urtiga que a arranhasse. Recolheram-se as espigas ainda fora do campo semeado – provavelmente, tinham nascido ali, de sementes caídas do saco, e ficaram esquecidas entre os cardos, as setas, os balõezinhos de São João e as outras ervas. Havia de trigo “moncho”, ou “mancho”, como a mulher lhe chamou. Tem as espigas mais escuras e mais apertados os grãos dentro da casca. O Reboliço trouxe dos dois tipos. “Mãe, o que é um nateiro?” Quem respondeu, mais tarde, foi o compadre: “É um bocado de terra baixa, onde fica a ‘nata da chuva’ quando cai.”