segunda-feira, 27 de novembro de 2006

O poder dos bonecos

A certa altura de uma mesa-redonda sobre traduções e adaptações da obra de Beckett em Portugal, falou o director artístico do Teatro de Marionetas do Porto, João Paulo Seara Cardoso. Leu numa série de folhas um texto claro e muito esclarecedor de como a figura da marioneta serve, por exemplo, a incorporealidade da personagem beckettiana; de como é difícil ou quase impossível obter para representações em palco - e mais difícil ainda quando se quer escapar às minuciosas indicações de cena do autor - os direitos das peças de Beckett; de como quase tudo se passou na criação de Nada ou o Silêncio de Beckett (2005). Já ia longa a leitura, sem nada de entediante, quando anunciou: "Falarei agora de outras coisas: de bicicletas." E terminou com a marioneta de Beckett sobre a mesa de conferências, a pedalar uma linda bicicleta e a mirar, para um lado e para o outro, a plateia. O manipulador desapareceu; os outros conferencistas sumiram; o moderador deixou de estar ali; a mesa transformou-se em estrada no meio de algum lugar; na sala toda só ficaram a bicicleta e o homem esguio, de pescoço alto a revirar a cabeça para um lado e para o outro.