quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

Sábado passado (Palo Alto)

(Comecei a usar o "Docs and Spreadsheets" do Google, que tem caracteres com acentos. Ainda nao descobri foi as cedilhas. "Nobody's perfect...")

Ora, o Sábado... Comecou antes, quando a Margaret (a eficientíssima secretária do Sepp), me disse que o marido tinha como hobby fazer as projeccões no cinema mais antigo de Stanford. Combinámos que ela me levaria à dita sala de cinema, que pediria ao Ernie (sim, o marido) que me mostrasse a cabina, a máquina, as bobines, essas coisas que adoro. Calhou ser no fim-de-semana em que passavam o Singing in the Rain (na versão portuguesa ficou Serenata à Chuva) mais o An American in Paris (ficou assim quase tal qual, em português). Já muitas vezes me disseram que nasci com o ditozinho virado para a lua, mas esta tarde foi especial. Nem sei por onde comece.

A sala abriu em 1925 - estão a ver a Califórnia em 1925? Imaginam uma cidade a seis horas de Hollywood em 1925? Pois eu também só tenho um niquinho da ideia do que teria sido. Traduzo alguns dados da página do Stanford Theatre, pois foram informacões que me deu o Ernie quando me fez uma visita guiada àqueles átrios, à cabina, à plateia. Em 1987, a fundacão do David Packard (o mesmo da HP, que isto é zona de riquezas da informática) comprou o edifício, procurou e encontrou fotos dos anos 20 e 30 do século passado, contratou especialistas em restauracão decorativa e fez o que se vê (numa amostrinha da plateia) aqui.

A sala é pura e simplesmente magnífica. (Só não vem em primeiro lugar na minha escala, porque ainda não recuperei do assombro de ver o Apocalypse Now! no Grand Rex em Paris, enfim...) Tem um átrio assim para o discreto, mas com frescos lindos, e uma sala contígua, de exposicões, onde se mostram cartazes de filmes dos tais anos 20, 30, 40, 50, a colheita vintage desta região.

Agora a cabine. Ai, a cabine... Anabela, eu pensava que te fazia inveja quando te disse do L'Atlantide (a propósito, has-de checkar a caixa que saiu, com três do Jacques Feyder). Qual nada! Queria era que viesses ver esta cabine, estas máquinas! Talvez algum crente fervoroso sinta arrepios assim numa catedral de Santa Sofia, ou num qualquer santuário devoto. Não foi tanto a monumentalidade (a cabine não é muito grande), mas a presenca do tempo, do outro tempo, em que primeiro se mostraram ali os filmes, em que o projeccionista ouviu dali, a espreitar pela janelinha pequenina, como deve ser, a plateia a rir, chorar, a suspirar. Foi o tempo, não tanto o tamanho dos artefactos. Tirei fotos, sim, mas não as consigo agora deixar aqui, nem mostram o que vi (diria o Reis, "todas mentem").

São duas as máquinas de projectar (mais altas que o tamanho de um homem), para não haver pausa entre bobines. As bobines são mais pequenas do que as que usamos na Europa - têm cerca de um terco do tamanho, levam no máximo meia hora de filme. Por cada filme, usam-se mais ou menos umas quatro bobines. A fonte de luz - tcharam! - é uma lâmpada de arco de carbono (traduzo à letra do inglês, mas podem ver uma imagem aqui). Se calhar é coisa já vista por muita gente, mas esta que vos escreve nunca se tinha imaginado perante tal fenómeno. O bom do Ernie dizia-me, numa voz pausada, calmo, "Esta lâmpada é mais forte do que as que agora se usam, por isso faz com que a imagem projectada seja mais nítida, mais luminosa, mais transparente." Pobres palavras inocentes... Quem conhece o filme sabe (Gilberto, Isa, LM, Anabela, Mirian, Gracinha, Cris, e só digo os fãs-fãs!) como é luminosa a sua cor, transparente a vida nele, nítidos os contrastes, os encarnados, os amarelos, os violetas (Deus!, os violetas!...). Eu conhecia o filme, sim. Vira-o uma vez na Cinemateca em Lisboa e, depois disso, vezes sem conta em DVD. Mas hoje sei que nunca os meus olhos tinham visto o Singing in the Rain. Ok, ok, deixem lá que exagere - não é para menos, a experiência foi inesquecível.

Os lápis do dito carbono que alimentam agora as máquinas do Stanford Film Theatre são os últimos fabricados nos EUA. O Ernie já lá tem abastecimento novo, vindo da ĺndia, onde ainda muitas salas usam estas lâmpadas (e compreende-se, também por isto, a magia das cores no cinema indiano). Em suma, vi a luz...

(Já agora, roam-se com o que poderei ver nos próximos fins-de-semana. E, claro, espreitem também o programa de Fevereiro do CCF ;-) )