Sento-me na sala de um primeiro andar, baixo, a dar para uma rua empedrada. As janelas, de portadas altas, estão abertas e entram por elas todos os ruídos da rua. Do lado de lá do passeio há uma loja de brindes; à porta, dois daqueles bonecos mecânicos que solavancam e dão música a troco de um ou dois Euros. Volta e meia, aparece uma criança (turistas, por regra), choraminga, puxa pela mão de quem a leva, insiste, e conquista o lugar no dorso do minúsculo avião ou da abelha gigante. A música começa, engasgada, no ponto em que o fim do crédito anterior interrompera o gozo de outro puto. Rouca, muito suja, a voz da cantiga é incómoda na rua onde, tirando esse barulho, só se ouvem pedaços soltos de conversas. O único a reclamar, alto e bom som, é um cão, sempre o mesmo podengo de patas curtas: mal a cantiga se vomita, desata a uivar, a ganir com quanta força tem. Assim como se pedisse misericórdia, como se ameaçasse a Terra de algum cataclismo se alguém voltar a tocar aquele inferno.