quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

(Para o Isaías)

.....Chegou à plataforma. O ar arrefecera e apertava o casaco mais contra a lã da blusa única que vestira. Valia-lhe que não bulia vento. Estariam umas quatro pessoas, além de si mesma, à espera. Sentada num dos bancos, uma mulher jovem tentava ler o jornal à luz fraca que vinha do interior da sala das bilheteiras, um edifício que, por estranho que parecesse e por mais que frequentasse a estação em horas diferentes, jamais vira de portas abertas. Dentro, nos anúncios luminosos corriam as letras de manhã à noite. Os candeeiros nunca se apagavam. Os relógios funcionavam e estavam certos. Apesar disso, a sala de espera, assim como o espaço por trás dos guichets das bilheteiras, não tinham ninguém. Um vazio iluminado, aquele lugar. A plataforma, pelo contrário, o lugar habitado, quase não tinha luz. Duas lâmpadas davam a pouca claridade ao chão cinzento e às costas escurecidas dos bancos de madeira corridos. A mulher lia o jornal, sentada ao lado de uma bicicleta, enquanto o filho dava gargalhadas estridentes ao colo do pai, que lhe fazia cócegas e vozes divertidas. Nem por uma vez, das muitas em que o homem se chegou demasiado à faixa amarela de segurança, a um pé do fosso da linha, a mulher fez um gesto sequer de verificar que o filho não corria perigo. Chegou a pensar que não seria a mãe, mas as fisionomias eram claras; a mulher confiava.
.....Afastou-se um pouco de onde estava para deixar passar um rapaz com outra bicicleta, cujo cadeado acabara de libertar. No momento em que descia o túnel, a pé ao lado da bicicleta, subia pelo mesmo caminho um casal: ambos vestidos de negro, fato e vestido elegantes. Entraram na plataforma a dançar e, por um momento, imaginou que se ouvia alguma música a que não prestara atenção. Mas não havia música naquela plataforma, apenas a dança das duas figuras, encantadas no final de um jantar enamorado, que se entregavam ao silencioso arrefecimento dos minutos. Olhava para as silhuetas quase imóveis quando deu pelo homem, o mendigo veterano que costumava ver todas as manhãs e que agora lhe estendia a tampa de uma garrafa cheia de um whiskey qualquer. - Brindamos? - "Brindamos," concordou em pensamento. Afinal, era a noite de catorze de Fevereiro. E quase, quase Carnaval.

(Foto: Reboliço, a medir pela antena a esquadria da estátua com a ponte.)