sexta-feira, 14 de março de 2008

Como se fosse a caça

De noite, em fazendo pouco frio, o Reboliço safava-se para fora da casa e descia a estrada até onde o alcatrão começa. No sopé do moinho, o Lobito erguia mal um pedacinho as orelhas, só o bastante para reconhecer a esquilinha do cão da casa e descansar outra vez. À passagem pelo cruzamento com o monte do vizinho, a canzoada fazia-se notar: ladravam à indiferença do Reboliço como se aquele fosse o único momento importante do dia. O bicho seguia, pata ante pata, num quase trote das almofadas silenciosas no pó do caminho e a esquila suspensa do cachaço meio tendido. Um pouco antes da curva, vagava o passo. Tentava abafar o tinido e agachava-se na berma, só de orelhas de fora.
...
Havia noites em que esperava mais, outras em que mal chegava via adiante as lebres em corrida atrás umas das outras. Abriam-se-lhe muito os olhos e, assim esbugalhado, tinha de prender muito bem as patas para não desatar atrás das orelhas pontiagudas. Ficava um bocado longo a olhá-las. Quando não se aguentava, o erguer-se fazia soar a esquilinha e, na porção pequenina de um segundo, os tufos brancos das caudas entre as pontas das orelhas zuniam-lhe para fora da vista. Seguia-as uns metros a ladrar, na corrida quase de perder o fôlego dentro da terra lavrada e depois, também num repente, virava para casa. Na volta, nem os latidos dos outros cães lhe chegavam aos ouvidos. Ia do mais satisfeito.
(História dedicada. Com música a condizer.
Foto: Pai)