domingo, 4 de maio de 2008

"Some journeys cannot be put into words."

(Foto: Reboliço)

Se digo em voz alta as coisas em que penso, deixo de poder escrevê-las. É melhor que feche a boca e escreva. Se, quando ler o que escrevi, não me parecerem bons pensamentos, terei ainda a satisfação de saber que não as disse em voz alta, que ninguém fora de mim as soube ou foi por elas ferido.
É no que penso enquanto leio, muito devagar, O Penitente. Leio devagar porque em cada parágrafo me maravilho da fuga de Pascoaes ao seu biografado, Camilo Castelo Branco. Da fuga de Pascoaes ao Camilo homem, para (re)encontrar o Camilo Alma. Leio devagar também porque fujo eu dos parágrafos e me ponho a olhar para lá do granito que me suspende numa varanda, junto ao quarto onde dormiu Teixeira de Pascoaes. Leio que Camilo deve ter atravessado o Marão “montado numa azémola, fustigada de relâmpagos, excitada a urros de trovão, como se a montasse o próprio Júpiter” – e fujo para a serra à minha frente, abro os olhos a procurar nela os trovões, o céu fendido de raios, o medo na mula, Camilo afoito e Pascoaes sentado à janela a partilhar com um tecto de vidro e o tecto do mundo a energia da trovoada. Sigo e paro de novo, quando o Marão é Camilo que Pascoaes diz que o encontra, “escultura em bronze da mesma tempestade.”