quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Dos antepassados

     A tia Patrocínia leva para o quarto pedacinhos de pão. Atira-os da janela: "São para os pardais, que são meus parentes," explica. "O meu avô, Manuel Joaquim Pardal, era o que não acreditava em bruxas. Era casado com a avó Patrocínia, que foi de quem eu tive o nome, e era a mãe do teu bisavô, José Manuel Pardal, que casou com a tua bisavó Júlia, a minha mãe, mãe da tua avó Mariana e de quem a tua mãe teve o nome. Um dia, estava o Manuel Joaquim a dormir, apareceram-lhe duas bruxas e procuraram-lhe: 'Manuel Joaquim, acreditas em bruxas ou não acreditas?' E ele disse-lhes assim: 'Deixem-me da mão. Vão ali falar com a minha Patrocínia, que ela dá um alqueire de trigo a cada uma.' Então elas foram e deixaram-no sossegado. Eram as duas bruxas. Pois. E a minha avó Patrocínia também não acreditava em bruxas nem em padres, nem em benzeduras. Era uma pessoa já muito moderna."
     O Reboliço ouve as palavras da tia e, com as histórias dos Pardais e daquela Patrocínia que enxotava bruxas com alqueires de trigo, ficou a pensar num vale perdido do outro lado do Atlântico, num homem de apelido Van Winkle, num tempo que já não existe e que a tia Patrocínia nunca conheceu.