quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Passeio público

O Reboliço caminha sobre a relva meio cortada de uma placa de verde entre a Avenida Beira-Mar e a Avenida Infante Dom Henrique. À sua frente, encostado ao tronco de um coqueiro, o funcionário municipal lê a secção de anúncios de um jornal qualquer que achou por ali. O saco verde e o pica-papéis descansam aos seus pés. O Reboliço desvia o passo para não calcar o corpo inerte e inchado de uma ratazana, pedra acinzentada com cauda entre as folhas do capim - e logo desde ali,  erguendo os olhos, descobre outro aparente cadáver, maior e castanho, deitado do lado de cá da rede de um parque de estacionamento. Enquanto avança e se aproxima, vê que alguém dorme só meio vestido. As pernas, longas e nuas, repousam uma sobre a outra; os braços estão postos sobre a roupa curta que mal cobre o tronco. A pele escura amacia na base dos pés cruzados e brilha de um extremo ao outro. É um corpo feminino, na graça com que jaz aquele homem alto e adormecido, para lá das raízes que meio-saem da terra, dos côcos caídos antes de amadurecer e do cantar dos bem-te-vi.