sábado, 25 de dezembro de 2010

Dia de Natal

O Reboliço está enroscado ao pé do lume – junto à base da lareira, a barra cor de sangue de boi. Dormita ao vuruvuvuruuuuuvuruuru hipnotizador do fumo a gastar o madeiro. Só não entra no sono profundo porque os troncos mais finos, o musgo seco e alguma carapaça de insecto estalam no meio da melodia das brasas. Do monte ao lado vem o cantar de um galo, temporão, a despedir-se da perua e dos gansos que, debaixo da mesa de pedra do quintal, aguardam embebedados a panela ou o tabuleiro.
De fora, o moinho fita tudo isto, indiferente aos dias que são, às pessoas que há e às que não estão. Já viveu quantos natais?, quantas festas? Agora tem no começo do socalco um letreiro branco com letras negras: “propriedade privada”. Isso, sim, é novidade e estranheza – coisa feita para enxotar algum casal a querer encostar o namoro à parede branca. É do moinho ou do Reboliço, a indiferença?
Atrás da nogueira (é jovem, mas tem já duas dúzias de ramadas cheias de folhas), o telhado da garagem anima-se com a bulha de três cães do vizinho, ao cheiro de rato ou coelho ali acoitado. Nem ouvem o “qu'é da rua!” a mandá-los para o outro monte. Latem, caçam, farejam, de caudas entusiasmadas e focinhos a brilhar.
(Hip-foto da panela de ferro ao fogo: Reboliço.)

“Quatro lumes tenho eu em casa,” diz a dona, ao telefone. O dono, sentado à mesa a olhar para o lume, cantarola: “Já lá vem nascendo o sol, lá das bandas do Algarve – ai, enganei-me, é a lua, que o sol não nasce tão tarde.”