sábado, 26 de março de 2011

Moinhos na poesia (33)

"GOSTO MUITO DE MOER"

Gosto muito de moer. Se pudesse, passava a vida a moer.
Vou moendo com entusiasmo.
Durante muito tempo não tive sequer moinho, uma família sem
moinho:
Huhh!
E então costumava dar-me com uma Garota, só para ver um moinho.
Moinho de nozes ou de carne, mas ela não me deixava usá-lo. Em casa
eu moía lápis, quer dizer, afiava-os, mas apesar de me dominar gastava
por dia um ou dois lápis. Mas isso não era nada, eram só
lápis, e não carne. O lápis não é carne.
Só lápis.
Moer lápis é um sucedâneo. Um substituto.
Como eu era infeliz, um escuteirinho triste.
Agora já tenho moinho.
Tenho vários, mesmo muitos. Ou seja, só tenho moinhos. Com
entusiasmo
vou moendo com eles ou posso moer.
Ou moí, mas já moí de tudo.
Huhh!
Esforcei-me por moer devagar, devagar mas como deve ser.
Agora vou moer moinhos.

(Endre Kukorelly, Um Jardim de Plantas Medicinais, Trad. colectiva [Abril de 1995] revista, completada e apresentada por Fernando Pinto do Amaral com a colaboração de Mária Démeter, Quetzal / Poetas em Mateus, 1997, p.20.)