segunda-feira, 25 de julho de 2011

Xerém com muxama

No Algarve, que é al-Gharb, o Ocidente, viveram uns setecentos anos seguidinhos muçulmanos, árabes, moçárabes, maometanos, islamitas - os sarracenos, chamavam-lhes gregos e romanos, que com eles também muito se cruzaram. As contas dos Censos não distinguem o que corre no sangue das pessoas, mas aqui vivem ainda, e não só precariamente nas pernas altas que caminham sobre a areia e vendem tapetes, malas, cintos, chinelas de couro. Não vivem só de passagem nem só em pouco numerosas famílias: estão entranhados na boca, nos olhos, nos sentidos todos, nas palavras que aqui se dizem, na comida que aqui se come, nas ruas que aqui se atravessam, na cal das paredes. Viver num lugar não é trair esse lugar. É viver nesse lugar. Habitar, comer, dormir, amar, ter iras, acalmar, gozar, chorar. Viver e deixar viver.
(A muxama, atum seco em salga, é uma iguaria talvez de origem fenícia, trazida para este lugar pelos romanos, e que ganhou dos árabes o nome. O xerém, papa de milho, vem possivelmente do Norte de África - o nome, que o milho, sim, sim, terá vindo das Américas. Uma e outro continuam a comer-se em Portugal - mas não só -, a ser preparados nas casas das famílias e a ser vendidos em muitos mercados. Xerém é ainda nome de projecto e associação cultural. Alô, Jorge Rocha, obrigada!)