terça-feira, 29 de maio de 2012

Paralelo W

- Desces a Rua dos Correeiros, Luca, e...
- Qual é? A do arco?
- Não, não.
- Não é a do Animatógrafo?
- Essa é a dos Sapateiros. A que te interessa é a dos Correeiros: desces até ao nº 60 e sobes, nesse número, ao primeiro andar. É uma escadinha de madeira, num destes edifícios de depois do terramoto. Estreita, corrimão de ferro, tudo simples. À frente, tens o anúncio, as vozes e os perfumes de um cabeleireiro de senhoras. A porta do lado esquerdo não tem anúncio nenhum (à entrada do prédio, sim: um stencil de um navio a afundar, sim): nada mais do que um pequeno papel, onde se lê para, fazendo o favor, se tocar à campainha.
- Foi o que fizeste, Reboliço?
- Tal e qual: depois da porta aberta, um poeta, dois poetas, três, quatro poetas, a falar da poesia de outros poetas, em forma de livro, em forma de cinema, em modos de falar, muitos livros de poesia, as vozes do salão de cabeleireiro e um telefone, dos grandes, pretos, antigos, que chiava de quando em quando, a ligar para outro lugar que não era ali. Uma casa fora do tempo, e com vista para o abismo. No Paralelo W.
- E "W" é porquê?
- Nao sei, Luca. Talvez porque sim, porque são dois livros abertos, ou letras de outros alfabetos.
(Paralelo W. Rua dos Correeiros, nº 60, 1º esqº, Lisboa, Terça a Sexta, 14:00 > 20:00 Sábados e Domingos, 10:00 > 20:00)