sábado, 21 de julho de 2012

Barranco da Corte

Há um lugar, próximo da aldeia, onde as árvores não são baixas, a terra é pouco seca e cresce o agrião e o poejo. Como cresce a muita água, apesar dos Verões em que é quase nada, quase nada sopra, give them some air, nem se ergue de frescura.
Descíamos a margem, agarrados aos troncos dos eucaliptos e dos arbustos de canas finas, a correr e a falar alto, e, à medida que se descia, as vozes iam ganhando eco de água e do arco de betão por baixo da estrada. A estrada vinha da aldeia, vínhamos de bicicleta a fazer corridas e o que ia à frente olhava muitas vezes para trás, como quem se angustia e se diverte com não ser ultrapassado - but not too fast, too soon.
Quase não havia carros naquele caminho: fazia-se a piada de aparecer o Belo Tói, o terror da estrada de Vale de Rocins, que podia surgir de uma curva a sessenta à hora, capaz de colher algum. O asfalto era vazio além dos que corríamos para o Barranco da Corte, o silêncio era desse vazio e um riso só já o alargava, as árvores à volta faziam do sol mais um a correr atrás de nós, ora a ver-se ora não, e as vozes, e o riso, e o desafio, deves apanhar-me, deves, deves!, eram tudo o que se ouvia, levantado da estrada com o zzzzzizzzzizzzzz dos aros e das correntes das bicicletas. Quando a curva virava a descer, tirávamos os pés dos pedais e o declive fazia a velocidade. À entrada do pontão, abandonávamos as bicicletas, deitadas na terra com pouca erva.
Na margem - no lado da água, mesmo quando era só um fio que corria e, problema poético que não geológico, "margem" se tornava um nome impróprio - tentávamos que os sapatos não se molhassem e caminhávamos juntos, muito perto uns dos outros, de braços a tocar nos braços e nos flancos, a falar fosse do que fosse, estivesse ou não ali, enquanto procurávamos o seixo mais redondo, o mais brilhante, o mais ajustado saberíamos lá a quê. Ou só a olhar para o cheiro forte dos poejos.