domingo, 12 de agosto de 2012

- Estás, então, disposto a contar-me alguma coisa agora?
- Sim, se o quiseres ouvir.
- Estou há dias à espera.
- Não te aborreças, Luca. Sabes que sou uma criatura de tempos.
- De tempos e de luas, Reboliço. Sais, não dizes água vai, não dás de vaia, nada. E uma cadelinha que se amanhe e se roa de curiosidade.
- Tens sorte, não te queixes: sabes tudo.
- Diz.
- Fui passear.
- Onde?
- A um lugar que já foi púnico - e fenício - e cartaginês. Um nurágico lugar.
- Vens de lá a falar de uma maneira que não se entende, já vi... O que é nurágico, Reboliço?
- É de uma civilização que pelos vistos existiu na Sardenha, há muitos e muitos anos. Nunca tinha ouvido falar daquilo, e digo-te que me impressionou. Faziam umas torres altas, que não se sabe ao certo para o que serviam, se seriam monumentos funerários, lugares de vigia, ou outra coisa.
- Onde estão hoje as pessoas que assim construíam?
- Devem ser os que andam lá nas ilhas. São engraçados. Têm um falar e um cantar arrastado, assim como às vezes se ouve nos cantadores de cante. Sabias que são património da UNESCO as canções dos tenores sardos?
- Como cantam?
- É assim: só os homens é que cantam. Uns quatro ou cinco por grupo. Um diz palavras que fazem sentido, os outros seguem-no e repetem alguns sons que rimam com o que o primeiro tiver cantado. E conta-se desses sons que são como imitações de vozes dos animais: as cabras, as vacas e até os cães.
- Mas, se são ilhas, não deveriam ser as vozes dos peixes?
- Apesar de ser uma ilha, os sardos têm mais de pastores que de pescadores, Luca. O mar era a estrada por onde vinham os invasores; depois foi a estrada do comércio, e era por onde entravam e saíam as mercadorias: entravam o sabão, o feno, a seda - e saíam a carne, o leite, os queijos. Era assim.
- Coisas engraçadas. E a lua, lá? E o sol? Como são?
- Tal e qual os nossos. Olha, anda deitar-te à sombra daquela alfarrobeira, árvore que não vi por lá, que isto hoje está uma aragenzinha boa, mas ainda vai aquecer.