terça-feira, 15 de janeiro de 2013

"A uma hora e cinquenta de Nova Iorque"

… Nessa quinta soleira – da árvore que vive do
cume – sempre frutífera, e nunca perde folha. – Porque
vem o desespero não no quinto limiar – mas a onze
mil metros de altura. Chega – zombar de mim mesmo: assim
não se segue adiante. – Há pouco do que rir, e de fato não é
necessário – depois de quarenta anos, essa redescoberta do
humorismo. – Mas não há nada para: tudo depende – do fato
de que não estou abandonado – dos meus pais no
deserto. – Por que, pai, mãe, vocês não me reservaram
o destino dos órfãos? Por quê? – Sinto o perfume dos
pequenos vales sem relvas. – Nunca teria sido um sacerdote, -
chantagista, como quem grita revelações – noções
razoavelmente comuns ao seu círculo: – por isso não vejo as pedras
e as rochas como ideogramas, eu. – Vejo as verdadeiras
pedras, dos montes de Idrija. – É por isso, é por isso – para
não ter ficado órfão – que agora aprendo a sorrir de mim
mesmo, – tal como fazem as autoridades.

(Pier Paolo Pasolini, “A un’ora e cinquanta da New York”, Tempo, n. 18 a. XXXI, 3 de maio de 1969, publicado posteriormente em Il caos. Roma: Editori Riuniti, 1981, pp. 145-146, tradução Davi Pessoa. Aqui.)