O Reboliço acorda a meio da noite, na casa estranha que o acolhe. Desce as escadas (são escadas de madeira velha, corrimãos de madeira velha, e pisa com cuidado para evitar o ranger das tábuas, aqui sim, aqui - ui!, não; aqui mal se ouve, sim) até à cozinha, os olhos fixados no jarro do chá, na água que consolará pele, órgãos, pêlo, tudo desidratado pela ferocidade das máquinas de fazer e de manter calor. Mas no vidro da janela chama-lhe a atenção uma mancha silhueta, redonda grande em baixo, redonda menor em cima: um gato. Está do lado de fora, encostado ao vidro, empurrado contra a superfície aquecida do vidro, colado à transparência quente da janela. O Reboliço estaca, mira, as orelhas subidas, suspende a pata da frente, baixa-a devagarinho, mais cautela ainda do que nas escadas, um olho no gato o outro no jarro, a sede, o temor, a misericórdia. Se se mexe, ruído para a casa, susto para o gato - a noite arrefece. Se não se mexe, ah, a sede - mexe-se, então. Mexe-se a mancha peluda também, a silhueta alaranjada, um Garfield vadio, gordo e de rua, no tempo igual se mexe, mais astuto. O medo é dele, o frio para ele, a noite é à sua volta que se alarga. Mas é o Reboliço que, antes de chegar ao jarro, ao chá, à saciedade, patinha, patinha, patinha, se achega à janela, pousa as patas da frente sobre as costas da cadeira e toca com o focinho do lado de dentro do vidro, os olhos entristecidos pela fuga do gato e cegos sobre o escuro do jardim - "Não tinhas de ir. Não fiz de propósito." (Ouve, no pensamento, a história do escorpião e do sapo: "It's in our nature.")