domingo, 22 de dezembro de 2013

Anti-lamento

Nada lamentes. Nem os cruéis romances, que lês
até ao fim só para saber quem matou o cozinheiro.
Nem os filmes sensaborões que te fizeram chorar no escuro,
apesar da tua inteligência, do sofisticado que és.
Nem o amante que deixaste a tremer no estacionamento do hotel,
aquele cujas frases, ou a cuja porta bateste, ou o que
te deixou de vestido e sapatos vermelhos, os
que te magoavam os pés, nem esses lamentes.
Nem as noites em que chamaste nomes a deus e maldisseste a
tua mãe, encolhido como um cão no sofá da sala,
a roer as unhas e esmagado pela solidão.
Era para inalares essas noites de fumo
com uma garrafa de cerveja morta, para varreres a cebola seca
do chão do restaurante, usares o casaco
puído, de botões a cair e bolsos cheios de fósforos gastos.
Subiste mil vezes essas ruas e vens
sempre dar aqui. Nada lamentes, nem um só
dos dias perdidos em que preferias não saber nada,
em que as luzes da boleia de Carnaval
eram as únicas estrelas em que acreditavas, e a elas amavas
por não terem uso, e sem quereres que te salvassem.
Andaste até aqui às costas de cada erro,
cavalgado de olhos escuros, e sombrio, mas calmo como uma casa
depois de se desligar a última televisão na janela do andar de
cima. Inofensivo como um machado partido. Esvaziado de expectativas.
Descontrai. Não te maces a lembrar tudo isso.
Paremos aqui, por baixo do sinal aberto,
à esquina, e observemos os que passam.
Dorianne Laux, "Antilamentation", 2011.
(Tradução: AIS. Obrigada, Cristina.)