Que noite de Natal, tristonha, agreste...
De neve amortalhava-se o caminho
E o vento sibilava do nordeste,
Nas frinchas da porta do moinho
Sentado na velha mó, já carcomida,
Onde incidia a luz d'uma candeia,
O moleiro, de barba encanecida
Com a mulher comia a parca ceia.
Próximo do moinho, ouviu-se em breve
Uma voz e o moleiro, abrindo a porta,
Viu um velhinho todo envolto em neve,
Vergado ao peso d'uma esperança morta.
"Entrai, meu peregrino da desgraça,"
Disse o moleiro ao pálido ancião.
"Aqui não há dinheiro, existe a graça
De haver carinho, piedade e pão."
"Vinde comer, agasalhar-se ao lume,
Festejar o nascer do Deus Menino -
Porque a vida somente se resume
Na escravidão imposta p'lo destino."
Então o velhinho, numa voz sonora
Pronunciou, levando as mãos ao peito:
"Abençoado seja a toda a hora
Este moinho que é por Deus eleito."
(Poema de Henrique Rego. Canta, Marceneiro.
O Reboliço vai-te ouvindo falar de um abençoado moinho,
no primeiro ano em que o Natal é longe do seu.)