sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Moinhos na poesia (63) - e, escondidos, na fotografia


JANELA BAIXA

Lembra-me a janela do último
filme de Béla Tarr, mas
agora somos muitos – e a realidade
(desculpem o termo) faz-se de cores
fortes, que o calor sublinha ou desfoca,
à revelia de quaisquer intenções estéticas.

Apaixonei-me logo por este rectângulo
onde fulgura um horizonte dourado,
cruamente medido pela rotina de rebanhos
ovinos, caprinos ou humanos – semelhantes
no destino, mas desiguais no esplendor.

Ao lado, entre a ruína de dois moinhos,
pessoas vivem ou morrem
dos seus ordeiros rebanhos, da música
que emoldura tardes felizmente iguais,
debaixo de um sol inclemente.

Esta janela, afinal, não precisa de comparações.
Durará enquanto houver silêncio. 
                                                          (Manuel de Freitas, Ubi Sunt, Averno, 2014, p. 63. Obrigada.)

(Foto da "Janela Baixa", com moinhos escondidos: ID. O Reboliço vê-se, como, pior ainda, ao espelho, perante o platónico dilema de saber se lhe agradam mais os versos, a fotografia da janela, a janela-em-si, ou a lembrança dela. Indecidido e agradecido a todos quanto sejam, de dilemas, provocadores.)