terça-feira, 19 de maio de 2015

"que és santo nome"

Estranha o Reboliço que, não sendo o tempo das azeitonas, ainda a engrandecer no ramo, se tenha ido lembrar da avó Adelaide. A avó Adelaide, mais justamente bisavó, era a mãe do avô Chico, o moleiro do Moinho Grande. Morreu já o Reboliço tinha uns sete ou oito anos - por isso se lembra dela. Lembra-lhe a sua figura, curvada velhinha vestida de preto, lenço na cabeça sempre, meias a cobrir o que a saia não tapasse, sapatos gastos no fim da pessoa, e o xaile, de grossa renda também negra, a acentuar a moldura. Já passava dos noventa e pouco falava - com os outros, que consigo mesma era uma ladainha permanente, de "Hum-hum. Hum-hum", como se fosse um baloiço a pender-lhe da voz, uma sílaba a descer quando a outra subia, todo o dia, ora sentada numa cadeira dentro da casa, ora de roda das oliveiras, ao rabisco, mesmo quando já não havia senão caroços velhos, restos de frutos desprezados que as mãos mais apressadas tinham deixado fora das sacas de serapilheira. Andava ao rabisco, la glâneuse. O que apanhava a avó Adelaide? Algum mal veria nos pequenos bagos escuros, que fazia entrecortar os sons de voz com o esconjuro "Jesus, que és santo nome de Jesus!, que és santo nome de Jesus!" Onde pusesse o santo nome de Jesus não entrava, cria ela, mal nenhum.
(Obrigada, Zé.)