segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Moinhos na Poesia (71)

I

Na praia sob um chapéu à Hockney
eu vi uma história da guerra
o sol que me caía no corpo também caía
no vosso corpo

sobre a praia sob o chapéu de listas
verdes e azuis mal se distinguindo a luz
do verde e do azul sendo sempre aos que
passavam só azul, apenas verde como

vós, perfeitos corpos imperfeita coisa
de dizer. Um,
era a própria corrida que lançava sobre
a Costa a leve penugem negra como só

aos trinta anos ainda têm os portugueses.
O outro não era tão bonito
era bonito, lembrando a cada um a guerra
a guerra a guerra puta que pariu
e mais às áfricas, com menos uma perna era

levado sob a areia
que o vento levemente erguia
com um braço sobre o outro entrando o
mar.

Ainda havia uma criança, algumas bichas
e um moinho de papel que depois comprei.

(João Miguel Fernandes Jorge, Obra Poética, volume 3,
Editorial Presença, Lisboa, 1988, p. 129. 
* Em Direito de Mentir [Arcádia, Lisboa, 1978, p. 63],
onde foi publicado inicialmente, os versos 13 e 14 deste poema são:
"aos trinta anos ainda têm os portugueses / ah! oh! o outro não era tão bonito". 
Direito de editar.)