NUVENS
Ao dobrar de uma curva da estrada, encontro o fotógrafo celeste. Imóvel ao lado do tripé, braços cruzados sobre o peito, espera que o vento misture de tal modo luz e sombra que a cor do céu possa entrar toda inteira no breve enquadramento da máquina fotográfica. Assim que me aproximo, começa a procurar nos bolsos e, franzindo um pouco os olhos (creio que cada vez mais lhe custa ver ao perto), vai tirando imagem sobre imagem: pedaços de céu com grandes massas de nuvens muito brancas, ou azuis como os montes ao longe, ou levemente pintadas de vermelho e cor-de-rosa como os frutos do verão. «Não é bonito, isto?», pergunta. Depois voltamos a olhar para as fotografias, com a surpresa de quem vai à janela olhar o céu e se dá conta de estar a ver um pormenor do universo: «quanto mais as nuvens nos parecerem imóveis, mais nos movemos nós, viajantes de uma nave imensa. Como se não houvesse nenhum vento e, sabe-se lá porquê, a Terra começasse a rodar ligeiramente mais depressa».
(Rosa Maria Martelo, A Porta de Duchamp, Lisboa, Averno, 2009, p. 14.)