Correram oito anos desde que o Reboliço assistira a uma ocasião das mais engrandecedoras da sua alma minusquinha. Nesse dia de 2008, viu e ouviu num palco junto ao rio Tejo o senhor Neil Young - and his Electric Band - cantarem e tocarem música e outra coisa qualquer que achou ser mais do que música e luz e movimento, mas até hoje não consegue designar por nome que se conheça. Quando, no começo deste ano, se apercebeu que aquela pessoa estaria dentro do espaço da sua Península, ou seja, perto, a fazer coisa que prometia semelhante, decidiu no segundinho que haveria de estar presente. Depois de pensar noutros animais de som, e da tal outra coisa, que já não podem fazer disso estando vivos, como o senhor David Bowie, ou o senhor Prince, mais se agradeceu ter-se decidido andar. Andou. E ouviu. E veu. No fim do sábado 18 do mês em que está, o senhor Young entrou e saiu do palco sem tirar o seu chapéu em ocasião alguma, o que, podendo ser visto como sinal de má educação, ali era modo de o sinalizar a ele e de o proteger de alguma corrente de ar - isto foi tudo em campo aberto, junto a um rio outro, chamado Manzanares, e nunca se sabe ao fresco do anoitecer. A uns dez minutos de ter começado a função que ali o levava, perante o universo que o via, no palco e numas gigantescas telas de imagem aproximada da perfeição, apontou o senhor Young um indicador à lua cheia que subia do outro lado do céu, em frente a ele. Não precisou de cantar "Harvest Moon", que o coração do Reboliço ali logo ouviu no seu ouvido interior e gostou. O senhor Young esteve no palco sozinho mais de meia hora, cantou e tocou harmónica, a sua old guitar e órgão, e só depois entraram na convivência musical dele os meninos filhos de Willie Nelson (Lukas e Micah Nelson, e a banda deles chama-se Promise of the Real), todos cumpridores do serviço que ali lhe faziam e de corpos em permanente sobressalto pela incredulidade de estarem a alinhar acordes com o senhor Young. O senhor Young serviu duas horas e meia, mais minuto menos minuto, repetiu (chama-se "encore"), o que, naquele festival, se acontecera, não fora perante a atenção do Reboliço, e mais teria ficado, não fosse a clemência do aplauso lhe perdoar os 70 anos, apesar de em vão os tentar ver num corpo de camisa aos quadrados, mas acima de tudo a consciência de que, se somos viventes criaturas de uma divindade qualquer, ela nos possui e não nós a ela, e lhe devemos, portanto, obediência e respeito: o que nos der, pouco que seja, é o mais e o melhor, e tem um fim. Quem parece ter-se apercebido também do que se passou neste fim de dia ao pé do rio de Madrid foi o Fernando Navarro, que escreveu no jornal El País.
(Foto das telas onde apareciam duas meninas que lançavam sementes e regavam flores no palco, a preparar a entrada do senhor Young: Reboliço, lembrando-se que os trabalhos mais recentes do senhor Young têm sido dedicados, também, a alargar a consciência sobre a modificação genética de sementes - sementes de plantas que as pessoas comem.)
(O Reboliço teve ainda, neste verdadeiro festival, o reencontro com um menino de belas cordas e voz, Gary Clark, Jr., e apanhou outra surpresa com o inacreditável e maluco senhor Perry Farrell, que além do grupo chamado Jane's Addiction levou ao palco senhoras semi despidas e tudo e tudo e gostou muito de tocar música e de cantar e via-se que sim; e conheceu uma Band of Horses que provou que, se há animais pelo nome, é que são gente boa.)