quarta-feira, 6 de abril de 2005

Açores 1 (Lagoa, quase meia‑noite de 8 para 9 de Setembro, 2003)

....A Dália mora numa “casinha de bonecas”. O quarto onde durmo dá para o mar – se não me engano, para noroeste. Esta noite há claridade [a lua esteve cheia no dia 10]: lá está a Lua, quase cheia, e Marte à sua esquerda, alaranjado.
....Esta tarde a Dália levou‑me a ver a Lagoa do Fogo. A estrada até lá é de um verde – ladeada desse verde – quase inebriante [Neste mês já as hortênsias secaram e as suas pétalas não mostram o azul forte nem o rosa que encantam os turistas sobretudo em Junho e Julho, quando as explosivas florações marcam as fronteiras das terras de cultivo. Em vez dessas cores, o verde seco generaliza‑se e confunde as flores com o resto da folhagem.] . Só o negro das pedras interrompe aquele oceano ofensivo de humidade e fertilidade. À direita e à esquerda da estrada, vejo as pequenas manadas de vacas grandes, calmas, pachorrentas. E depois, a lagoa. Muito serena, nada como o fogo do seu nome. Deixa ver o mar no outro lado da ilha – finalmente entendo o significado desta expressão – e as pequenas línguas de areia quase branca a orlá‑la, antes de continuar o festival de verde. A água da lagoa não é azul, mas quase negra, do fundo e da sombra que se vai assenhorando da bacia larga. Ao meio, duas nuvens: uma península de verde, em forma a lembrar ferradura, e, acima, um bando de aves (gaivotas, rapinas?) parece imóvel, mas deve ser a distância.
....Jantamos no Borda d’Água, na vila de Lagoa, à beira da lota e do mercado do peixe, com as cantarias em restauração: a pedra negra, virada ao oceano, já é quase nada, um poro pegado, ar, sal, vento, maresia. Cáries naquelas janelas.
....(A Dália foi quem me recebeu em São Miguel. Conhece-me desde pequena e não nos víamos havia muitos anos. Quando nos reencontrámos, no aeroporto de Ponta Delgada, foi como se nos tivéssemos despedido só no dia anterior.)