sábado, 14 de maio de 2005

Cena de filme

Mudo
O homem estaciona em frente da padaria. A mulher sai do carro, entra na padaria e o homem abre a porta da mala. O cão grande sai e ficam os dois no passeio, à sombra. A mulher sai da padaria e entra sozinha no café ao lado. O homem deixa-se ficar no passeio, com o cão. De dentro do café vê-se mal a rua. Ao fim de poucos minutos, a mulher volta a sair – traz na mão a chávena de café, que entrega ao homem. Deixa os sacos de pão dentro do carro e entra no talho de montra larga e alta, a seguir ao café. Da rua, o homem observa os quatro rapazes que atendem no talho. A mulher é a última cliente; quando a atendem, é a única na loja. Enquanto segura o cão grande, o homem repara na atenção, na seriedade com que os quatro rapazes atendem a mulher, que vai apontando de vitrina em vitrina o que pretende. Um dos rapazes está ao telefone. Outro, sem ter o que fazer, troca a perna, encostado ao frigorífico, e bebe um sumo. Os quatro vão conversando com a mulher – o que lhe prepara a carne vai espaçando as palavras com os golpes do cutelo. A mulher vai retorquindo, igualmente séria. Depois de atendida, despede-se dos rapazes com cortesia e sai do talho, com os sacos de carne na mão.

Sonoro
MULHER – Bom dia, queria dois pães de quilo, por favor.
EMPREGADA DA PADARIA – Ora bom dia. Aqui tem. É mais alguma coisa?
MULHER – Não, obrigada. São oitenta, não são?
EMPREGADA DA PADARIA – Sim senhora. Obrigada.
MULHER – Até prá semana.
EMPREGADA DA PADARIA – Até prá semana, obrigada.
*********
MULHER – Bom dia.
EMPREGADA DO CAFÉ – Bom dia. Diga.
MULHER – Era um café e um garoto.
EMPREGADA DO CAFÉ – É o quê?
MULHER – Um café e um garoto.
EMPREGADA DO CAFÉ – Diga?
MULHER – Um café, por favor. E um garoto.
EMPREGADA DO CAFÉ – (Aos fins-de-semana só me calham destas...)
MULHER – Obrigada. ... Toma, vê lá se queres açúcar.
HOMEM – Não, está bom assim. Obrigado.
MULHER – Quanto é tudo?
EMPREGADA DO CAFÉ – É um Euro certo.
MULHER – Então bom fim-de-semana e obrigada.
EMPREGADA DO CAFÉ – Obrigada, igualmente.
**********
MULHER – Vou ainda aqui ao talho, espera só mais um bocadinho.
HOMEM – Sim.
**********
1º EMPREGADO DO TALHO – Ora, agora a senhora. Bom dia, diga, se faz favor.
MULHER – Bom dia. Queria esse pedaço de lombo de porco, por favor.
1º EMPREGADO DO TALHO – Com certeza. E é mais alguma coisa?
MULHER – Olhe, sim. Se calhar, levo logo comida para o cão.
1º EMPREGADO DO TALHO – Muito bem. E de que raça é o canito?
MULHER – É um rafeiro alentejano.
1º EMPREGADO DO TALHO – Quer para quantas refeições?
2º EMPREGADO DO TALHO (ao telefone) – Febras, homem, febras! Não são presas! Chiça!
MULHER – Ele já é grande, come bem.
1º EMPREGADO DO TALHO – Leve assim. Se for pouco, junte-lhe umas batatinhas, ou umas sopas de pão.
MULHER – Ah, isso ele é muito esquisito. Às vezes ponho-lhe sopas de leite, de manhã, o bicho bebe o leite e deixa o pão. Mas, em sendo pouco, ponha mais um franguinho, faz favor.
3º EMPREGADO DO TALHO – Ah, ele é fino! Olhe, o meu não gosta dos frangos do Parente. Acha que têm pimentão a mais.
(...)
1º EMPREGADO DO TALHO – Eu cá tenho lá em casa uma canita... Dou-lhe café com leite e ela bebe o leite e deixa o café.
MULHER – Ah!...
1º EMPREGADO DO TALHO – Então e que mais?
MULHER – Já chega. Quanto é tudo?
1º EMPREGADO DO TALHO – É ali com o meu colega. Faz aí a conta à senhora.
4º EMPREGADO DO TALHO – São seis e noventa e cinco, faz favor.
MULHER – (...)
4º EMPREGADO DO TALHO – Sabe, é que ele dá-lhe o café em grão. Então, e já foi à feira?
MULHER – Ainda não fui, mas já ouvi que aquilo este ano está fraquinho.
4º EMPREGADO DO TALHO – Parece que sim.
MULHER – Bem, bom fim-de-semana.
EMPREGADOS DO TALHO – Então bom fim-de-semana e obrigado!