sexta-feira, 28 de outubro de 2005

Tragédias

O Reboliço sentou-se numa das filas do meio, na nova sala de espectáculos. Por azar, um homem alto estava mesmo à sua frente; por sorte, havia uma cadeira livre ao lado e o Reboliço alçou o rabinho e sentou-se mais à esquerda. A primeira parte do bailado foi um bocejo: em palco havia uma série de "Ineses" mais o rei, pai de Dom Pedro. Sentado no trono, de manto pesadão, erguia nas mãos a coroa e mal se ouvia dizer umas frases em latim ("mal se ouvia" é eufemismo...). O Reboliço suspirava. Depois, a dança dos amantes. Numa mini-piscina em palco, desajustada num dia de chuva, que o fazia arrepiar-se todo: ou seria a paixão de Inês e Pedro? Dessa dança gostou mais. E da parte dos carrascos, que vieram, uns oito, com os corações das Ineses nas mãos e nos dentes. Mas o final foi de novo entediante, uma réplica da dança, com um Pedro tresloucado a agarrar a Inês morta. Longa, longa, longa... o Reboliço pensava nos convidados estrangeiros, os delegados dos Ministérios da Cultura de outros países, europeus e não só: "Pobrezinhos", pensava, "a seca que não devem estar a apanhar... Tsss-tsss, e vão daqui a pensar que o tuga é só tragédia, só choro e grito de mágoa, que todo o amor já nasce desfeito, que nos alimentamos de cenas macabras, como o beija-mão à rainha desenterrada. Como se Inês não tivesse tido já uma vida triste o bastante."
À saída, meteu-se à estrada e foi cravar à mãe uma perninha de perú com guisado de legumes. De estalar os dedos!