segunda-feira, 17 de abril de 2006

Há alturas em que o mundo parece muito injusto.

O Reboliço não é de ficar acabrunhado, metido em si quando lhe "entra uma paixão pelo organismo". Mas há dias em que, quando procura o riscozinho de luz entre o peso das cortinas, só desvela mais negrume. Faz então o que lhe soa mais sensato: põe a pata direita sobre a esquerda, as duas por baixo do focinho, deitado. Inspira fundo ao mesmo tempo que deixa cair as pálpebras e pensa: quando abrir os olhos, tudo estará mais leve. A alternativa seria gritar com alguém, dizer mal do mundo, espernear. Nada que lhe dê gosto - gritar com alguém, só se for para que se ouça de muito longe como é grande o amor que tem; dizer mal do mundo, só se for para se queixar de ser o mundo pequeno e curto; espernear, só se lhe fizerem cócegas na barriga...

(Estava no gabinete, entrou uma senhora que vem limpar o caixote do lixo e ver se há outras limpezas a fazer. Pedi-lhe que deitasse fora umas flores já secas da jarra, que o meu colega trouxera. Ofereceu-se para levar a jarra e despejar dela a água. Foi. Regressou com a jarra limpinha e um sorriso do mais largo. Há recompensas, também.)