quinta-feira, 21 de setembro de 2006

Na foz do Congo

"Subir o rio era o mesmo que viajar para trás, até às primeiras idades do mundo, quando a vegetação transbordava da terra e as árvores reinavam. Uma torrente deserta, um grande silêncio, a floresta impenetrável. O ar era quente, espesso, muito pesado e mole. A luz solar não tinha alegria. Longos troços de rio deserto perdiam-se por lonjuras de enorme sombra. Nas margens de areia prateada, hipopótamos e crocodilos tomavam lado a lado banhos de sol. As águas largas corriam entre uma confusão de ilhas arborizadas: uma pessoa perdia-se naquele rio como num deserto, e todo o dia tropeçava em baixios, tentava encontrar um canal navegável e acabava por julgar-se vítima de um feitiço, isolada para sempre do que até ali conhecera - sei lá onde - muito longe - talvez noutra vida."
(Joseph Conrad, O Coração das Trevas, na versão que me ensinou a amar Conrad, que Aníbal Fernandes publicou em 1983 na editorial Estampa, p. 69.)

No original, as sombras mantêm-se, mas há outra luminosidade:

"Going up that river was like travelling back to the earliest beginnings of the world, when vegetation rioted [pois, verbo impossível e lindíssimo, aqui] on the earth and the big trees were kings [que é diverso de "reinavam", enfim]. An empty stream, a great silence, an impenetrable forest. The air was warm, thick, heavy, sluggish. There was no joy in the brilliance of sunshine ["there was no", mas o que fica da frase é o "brilliance of sunshine", e não tanto a ausência de "alegria" do português]. The long streches of the waterway [não é bem "rio", é "caminho de água"; entendo que não o possa ser em português, mas "waterway" tem a magia das epopeias antigas] ran on, deserted, into the gloom [de quantas palavras em português se fará o conradiano "gloom"? Aqui, de nenhuma.] of overshadowed distances. On silvery sandbanks hippos and alligators sunned themselves side by side. The broadening waters flowed through a mob of wooded islands; you ["uma pessoa" é o correcto, mas "you" atinge com tanto mais poder quem lê: é connosco que estão a falar] lost your way on that river as you would in a desert, and butted all day long against shoals, trying to find the channel, till you thought yourself [de novo] bewitched and cut off for ever from everything you had known once - somewhere - far away - in another existence [que diferença, de "another life"!] perhaps.
(Isto está na página 59 da edição da Penguin de Heart of Darkness, preparada em 1995 por Robert Hampson.)