Diz a Mulher que o filme é sobre a solidão (opinião igual tem o Eduardo Pitta). Diz a Anabela que é antes sobre "o poder da efabulação e da fantasia sobre a realidade efectiva das pessoas e dos sentimentos"*. Não resisto (e recordo o que costumava deixar no finado - mal finado, digo - "Charme Discreto da Bloguesia"). O filme testa uma situação-limite (isto tem tracinho?) que, precisamente, exacerba um dos efeitos potencialmente nefastos da solidão, a tal "efabulação" sobre o que percebemos à nossa volta. Daí a importância do título e do género explorado no romance que dá o filme - a escrita diarística. Em última análise, Barbara (a personagem de Judi Dench) é um serial-killer como qualquer outro: obsessivo e com dificuldades de socialização. Os grandes problemas surgem quando o "mundo real"**, o de fora do caderno onde constrói o seu próprio mundo, não coincide com o que Barbara escreveu nas suas notas. A maneira como lê o mundo mantém-se, latente, na maneira como Barbara vive nele. Quando as personagens que criou no caderno se autonomizam e tomam decisões sem a consultar, gera-se o conflito - dele, aumenta a dor; daí, gera-se o ódio; do ódio, a maquinação, e assim por diante. Nisso é que entendo que o filme também é excelente: percebe o crescendo da latência para a sobre-exposição (isto tem tracinho?, II), das notas no caderno (tão adolescentes, tão parada que está aquela mulher num ponto da sua vida, tão passado...) para a sala de estar de uma família de média burguesia londrina, ou para uma casa de arrumos numa escola secundária, e gere-o com um magistral domínio dos actores. Faz pensar muito, é muito bom. Adorei também a cena da banheira. Imagem e palavras.
*Ambas concordam, e eu com elas, que "é imperdível pelo prazer de ver bem representar".
**As aspas são mesmo para dizer do desconforto com o chamar-lhe "real"; será mais "real"/verdadeiro do que o construído no caderno de Barbara? Não, certamente, para Barbara. Talvez um psicanalista ajudasse nisto, mas falo apenas de um filme.
*Ambas concordam, e eu com elas, que "é imperdível pelo prazer de ver bem representar".
**As aspas são mesmo para dizer do desconforto com o chamar-lhe "real"; será mais "real"/verdadeiro do que o construído no caderno de Barbara? Não, certamente, para Barbara. Talvez um psicanalista ajudasse nisto, mas falo apenas de um filme.