quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Mesquita de Córdoba

Haviam sido os fustes de pequenos bosques
a recortarem-se no azul do céu,
ao cimo das colinas, ou à beira de água
espelhando-se nelas como a cristalina
de ninfas ondulância. O dardejar do tempo
e da cristandade os fulminou. Jaziam
tombados entre as ervas, como sexos
dormindo na revôlta grenha; ou, 'inda agudamente,
inúteis penetrando sem desejo
a macieza húmida das nuvens.
-------------------------------Róseos,
brancos, irisados, foram convocados
para a glória de Alá. De toda a parte vieram,
a rastros, dorso, em carros, convergindo
para a cidade branca, atravessando os rios,
as serranias áridas, as planícies pálidas;
e as chuvas lavavam-nos da poeira do tempo
e dos caminhos.
----------------Um a um erguidos,
já de um a outro os arcos se dobravam,
tão curvamente ultrapassados, duplos,
na intensidade tensa de reuni-los
em floresta imensa, erguidos e coroados.
E de bosquetes para, aladas frondes,
serem dos deuses o repouso, ou de
nítidas cercas em triclínios calmos,
vieram concentrar-se na penumbra
em que o mihrab a um lado é uma estridência de ouro.
De novo um tecto é o que sustentam na viril
segurança para que são fustes. mas um tecto só:
de toda a parte vieram, ruínas fulminadas,
suportes dispersos dos deuses e dos homens,
para alinhar-se múltiplos na escrita
marmórea e colunar da inefável glória
do nome que é um tecto horizontal
sobre o deserto humano, frio como as lages,
macio como a aragem que se enrosca neles,
cruel como a faísca que os derrubaria,
e ardente como o sol que amadurece
os laranjais do páteo.
---------------------Vieram e ficaram
floresta exacta.
----------------Alá partiu, deixando a branca
cidade às moscas, à poeira, às torres de onde
dura de sinos se tornou a voz
do muezzin cantando à tarde.
------------------------------Mas
alguém pode partir de uma tão rígida
viril floresta: deuses traduzidos
e congregados para Sua glória?


(Jorge de Sena, in Metamorfoses, escrito em Araraquara, 7-8/1/1963)