segunda-feira, 7 de abril de 2008

O milho pesado

Encontro em A Cidade e as Serras parte de uma frase que me soa a uma cena estática do filme Jaime: "muitas vezes (...) avaliara o grão espalhado pelas salas sonoras." No filme de António Reis não há qualquer som a acompanhar a cena. É uma sala escura numa casa pobre, ao contrário do "robusto casarão de granito" que Zé Fernandes visitara. No meio da sala, iluminado com foco directo e só, uma mancha de grãos de milho, a cor amarelo-torrada num contraste liso com o castanho do soalho. No meio da mancha, um guarda-chuva preto aberto. Não é mais do que isso: um graneiro sem ninguém, a que fugiu quem ali se podia abrigar da chuva; um guarda-chuva esquecido a deixar o azar aberto num graneiro escuro e silencioso. Isto é: como a mesma coisa, uma sala de grão, pode ser mostrada com tons tão diferentes. O exaltado ribombar da paródia serrana de Zé Fernandes, turista blasé numa Paris entediante, e a dolorosa ausência de Jaime Fernandes, homem das Beiras exilado numa casa de saúde mental de Lisboa durante os últimos trinta e um anos da sua vida.